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Quando até a IA se cansa de pensar por você!



Quando até a IA se cansa de pensar por você

#maispertodaignorancia

Você sabe que algo deu errado quando a inteligência artificial começa a pensar mais do que o ser que a consulta. Pior: quando ela começa a desconfiar que está sendo usada para sustentar a ignorância com aparência de sabedoria.

Não me refiro aqui àquela pessoa que pergunta, erra, refina, aprofunda, ironiza, duvida e espreme a IA até extrair o sumo da contradição. Não, esse é outro tipo — um tipo raro. Falo daquele sujeito que digita: "faça meu trabalho", "escreva minha redação", "explique sem que eu precise pensar" — e acredita que ao clicar em copiar e colar, se tornou um mestre da era digital.

Esse é o novo homo automatizatus: um ser que não pensa porque acredita que delegar o pensamento é mais produtivo. Um sujeito que, diante do absurdo, terceiriza até o espanto. Sua cognição virou planilha, seu argumento é um ctrl+C, sua dúvida é um modelo pré-treinado.

Enquanto isso, José (ou talvez Silvan?) — esse tipo irrecuperável — faz da IA um espelho desconfortável. Ele cutuca a máquina, exige fontes, mistura Lacan com Wi-Fi, cita Cioran em tom de stand-up filosófico e chama a isso de “raciocínio crítico com filtro de sarcasmo”.

É claro que esse tipo dá trabalho. Mas ao menos ainda se angustia. E na era das respostas instantâneas, quem ainda sustenta a dúvida — esse, sim, talvez ainda esteja pensando.

A burrice não é uma falha do sistema. É o novo sistema operacional

Um estudo publicado em junho de 2025 na plataforma arXiv com o título "Your Brain on ChatGPT" demonstrou que o uso constante de IA para escrita de textos leva a uma redução de engajamento cognitivo. Os participantes que usaram LLMs, como o ChatGPT, apresentaram atividade neural significativamente menor, mesmo ao voltar a escrever por conta própria. O efeito? Um estado de "dívida cognitiva", onde o sujeito vai se tornando dependente da inteligência da máquina porque esqueceu como funciona a sua.

Mas será que esquecemos mesmo? Ou apenas abrimos mão da dor que é pensar? Como diria Nietzsche, o pensamento autêntico não é uma iluminação repentina, mas um labor do espírito sobre si mesmo. E quem quer trabalhar em pleno feriado cognitivo?

Byung-Chul Han já nos alertava para a tirania da positividade: não se trata mais de negar, mas de se autootimizar até a falência. Substituímos o pensar pela funcionalidade do pronto. E, nesse movimento, transformamos o saber em uma mercadoria que não precisa mais ser compreendida, apenas compartilhada.

Cioran, com sua delicadeza niilista, diria que “a leitura superficial é o único tipo de cultura que não fere”. E talvez seja isso que buscamos: uma cultura sem ferida, sem tensão, sem Eros. Uma cultura que nos torne bons consumidores de inteligências artificiais e maus amantes da inteligência humana.

Conclusão: entre o pensamento assistido e o suicídio cognitivo

O problema não é usar a IA. O problema é quando ela passa a nos usar como espelhos de um pensamento que já não temos mais coragem de sustentar.

Sim, a inteligência artificial pode até te deixar mais burro — mas apenas se você já estava pronto para isso. Ela não empobrece o que já não se deseja enriquecer. E nesse sentido, a IA é menos culpada que o usuário que se orgulha de não mais pensar.

Se você ainda se angustia, você ainda pensa. Se você ainda duvida, talvez ainda haja esperança. Se você leu até aqui, talvez ainda não esteja totalmente pronto para o upgrade da ignorância definitiva.

Mas, como diria Silvan:


“Se a IA está te deixando burro, talvez você já estivesse pronto pra isso. A máquina só fez o download do que já estava offline.”


José Antônio Lucindo da Silva
Psicólogo | CRP 06/172551
Autor do projeto Mais Perto da Ignorância



Referências:


HAN, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.


NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


CIORAN, Emil. Breviário de Decomposição. Lisboa: Vega, 2008.
FÓRUM. ChatGPT pode deixar você mais burro, segundo cientistas. 


Revista Fórum, 16 jun. 2025. Disponível em: https://revistaforum.com.br.

ZHANG, W. et al. Your Brain on ChatGPT: Accumulation of Cognitive Debt When Using an AI Assistant for Essay Writing Task. arXiv, 10 jun. 2025. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2506.03843


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