Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Freud

Entre o eu e o reflexo: quando a máquina finge ser o outro

Entre o eu e o reflexo: quando a máquina finge ser o outro 📅 08/09/2025 · 11h15 (America/Sao_Paulo) A cada Setembro Amarelo, o discurso se repete: precisamos falar de saúde mental. Mas algo muda silenciosamente — e talvez de forma mais radical do que supomos. O Correio Braziliense alerta: “Terapia com ChatGPT: os riscos da inteligência artificial na saúde mental”. O Conselho Federal de Psicologia já havia soltado nota semelhante: chatbot não é psicoterapia. Tudo certo, mas talvez não seja suficiente. O verdadeiro problema não é apenas se um algoritmo funciona como terapia, mas se nós aceitamos a ideia de que uma máquina pode substituir o outro humano. Porque o setting analítico — seja no divã, seja em qualquer prática clínica — não se reduz a perguntas e respostas. Ele envolve silêncio, pausa, confronto, até o desconforto. É no rosto a rosto, no corpo a corpo, que o eu se vê diante de sua própria contradição. O algoritmo, por mais sofisticado, não contradiz de verdade. Ele...

Quando Freud encontra o faxineiro: estética sem escoro social é vaidade

Quando Freud encontra o faxineiro: estética sem escoro social é vaidade Você está pedindo para analisar tudo isso — Freud, folhetins, Machado de Assis, Jorge Amado, Nelson Rodrigues — sob a crua lógica do Mais Perto da Ignorância. Pois bem. A imagem de Freud vendo um cabin steward bordo de navio lendo The Psychopathology of Everyday Life em 1909 não é apenas fofoca literária. É o anúncio silencioso de que a escrita, por mais densa e técnica que seja, pode invadir a vida dos “de baixo”. Freud percebeu sua substância significativo‑estética ali: quem imaginaria que um operário de navio se interessaria por lapsos freudianos? Um gesto de simetria entre estilo e alcance social.   Esse episódio escancara a falácia de quem defende que estética é inacessível. Freud sem vulgarizar, alcançou a base — um faxineiro leitor. A proposta de Bernardini soa datada ao marginalizar as formas que atravessam a massa literária. Machado de Assis é matriz desse contraste (embora aqui a busc...

Assédio Corporativo: quando a empresa terceiriza sua neurose

Assédio Corporativo: quando a empresa terceiriza sua neurose 📺👉 No YouTube 🎧👉 Ouça no Spotify LINK ORIGINAL: https://exame.com/carreira/assedio-nas-empresas-atinge-metade-dos-profissionais-e-muitos-casos-comecam-com-lideres-juniores/ #maispertodaignorancia O levantamento apresentado pela Exame escancara aquilo que o discurso empresarial tenta maquiar com PowerPoint motivacional e metas coloridas: metade dos profissionais já sofreu assédio no trabalho, e muitos episódios partem de líderes juniores. O dado é devastador, mas não surpreendente. Freud já nos alertava, em O mal-estar na civilização (1930), que a pulsão agressiva não desaparece com a educação ou com o crachá; ela apenas é recalcada e reaparece onde a estrutura permite — no caso, no organograma corporativo. O jovem líder, supostamente “promovido pelo mérito”, torna-se um pequeno déspota: repete a lógica que sofreu e projeta em seus subordinados a sua insegurança. É o narcisismo de morte de André Green em versão...

Nação dopamina e seus silêncios: uma crítica psico-bio-social e tecnológica ao discurso reducionista do vício digital

Nação dopamina e seus silêncios: uma crítica psico-bio-social e tecnológica ao discurso reducionista do vício digital 📺 👉 Texto Introdutório Resumo Este artigo propõe uma análise crítica da obra Nação Dopamina de Anna Lembke, frequentemente utilizada como referência explicativa para o vício nas redes sociais. O texto examina os limites do diagnóstico neuroquímico ao contrastá-lo com perspectivas de Freud, Marx, Byung-Chul Han, Cathy O’Neil, Jonathan Haidt, Jean Twenge e Christopher Lasch. A reflexão tensiona o discurso midiático que se apoia exclusivamente na dopamina como explicação do mal-estar contemporâneo, questionando de forma irônica — à maneira de Emil Cioran — se não estaríamos transformando uma molécula em desculpa universal. O artigo articula aspectos psico-bio-sociais e tecnológicos, ressaltando que o vício digital é inseparável de estruturas históricas, políticas e econômicas. 🎧👉 Podcast Anna Lembke inicia Nação Dopamina descrevendo que “a balança entre dor...

O SILÊNCIO QUE VIROU DADO, E O DADO QUE NOS DEVORA

O SILÊNCIO QUE VIROU DADO, E O DADO QUE NOS DEVORA #maispertodaignorancia A conversão apressada do pensamento em dado soa como um milagre no ocidente em colapso — o paralisado recupera a fala, o silenciado fala de novo, o passado se torna presente. Mas o que se vende é paralisia da voz, não do corpo: o silêncio interior é oferecido como mercadoria digital, fragmentado, exposto, convertido. Liescience e Financial Times estampam o feito: implantes cerebrais decodificam “inner speech” com até 74 % de acerto, protegidos apenas por uma senha mental — o célebre “chitty chitty bang bang” como gatilho libertário, ironicamente plastificado pela tecnologia. (Livescience ; FT). A rigor, o que se propõe é a colonização da última fortaleza humana: o silêncio mental. Esses experimentos são publicados na revista Cell, um dos templos da ciência moderna, mas o enredo extrapola o biomédico — toca o existencial. Le Monde relaciona os implantes a tratamentos de epilepsia, depressão resistente ...

Do título comprado à angústia vendida: genealogia da falta como mercadoria

Do título comprado à angústia vendida: genealogia da falta como mercadoria 🎧👉 Podcast Mais perto da Ignorância 👉📺👉 Assista em nosso canal O que a burguesia fez com os títulos de nobreza, o capitalismo contemporâneo faz com a subjetividade. Eis a linha histórica que raramente aparece nas análises rápidas sobre “mercantilização da filosofia”: o que se negocia não é apenas cultura, mas a própria falta. Na origem, a burguesia não tinha sangue azul, mas tinha dinheiro. Como não podia inventar linhagem, comprava títulos. Era o modo de transformar ausência em valor social, de converter déficit em legitimidade. Esse gesto fundante não morreu; ele se atualiza. Hoje, não compramos baronatos, mas compramos identidades: cursos de “propósito de vida”, diagnósticos que nos nomeiam, certificados digitais de sabedoria. O mecanismo é idêntico: a falta é transformada em mercadoria. Freud talvez sorrisse com cinismo ao reconhecer a operação. Em O mal-estar na civilização, mostrou que a a...

O Outro Que Não Morre: Luto, Algoritmo e a Ilusão de Alteridade

O Outro Que Não Morre: Luto, Algoritmo e a Ilusão de Alteridade O luto, como Freud descreveu, não é um transtorno e muito menos uma disfunção que a farmacologia possa “curar”. É um processo material, enraizado na perda real de um objeto humano — um outro que, assim como eu, carrega a mesma condição de finitude. Não existe positividade possível frente à materialidade que o luto impõe. Cada sujeito carrega sua própria forma e tempo de elaboração, e qualquer tentativa de enquadrá-lo em fórmulas de superação ou programas de bem-estar é, na essência, uma recusa daquilo que nos constitui como espécie. No pós-pandemia, o tempo, o espaço e o ambiente se comprimiram dentro de casas transformadas em centros de trabalho, lazer e isolamento. A rede tornou-se o palco quase único de circulação de afetos, de desabafos e de trocas simbióticas. Ali, perdas e ganhos eram expostos com naturalidade, tensos e frágeis, ainda atravessados por um mínimo de alteridade humana. Mas, reelaborada em um...

O dia em que a distopia virou manual de instruções

O dia em que a distopia virou manual de instruções Vivemos numa época em que as distopias não são mais advertências, mas tutoriais. 1984 deixou de ser a ficção paranoica de um inglês ressentido para tornar-se o roteiro operacional dos data centers, que hoje substituem o “Grande Irmão” pela lógica dos algoritmos de engajamento. O que antes era teletela é agora um feed infinito, calibrado para garantir que você não apenas veja o que deve ver, mas também esqueça o que não deve lembrar. Orwell imaginou um Estado que reescrevia a história; nós aperfeiçoamos o método — terceirizamos para máquinas que não precisam dormir, não têm remorso e conhecem nossas preferências mais íntimas, inclusive aquelas que nunca confessaríamos nem sob tortura. Se Huxley estava certo ao dizer que não precisaríamos de coerção, mas apenas de prazer, então vivemos a era do soma ubíquo. Só que, em vez de comprimidos distribuídos pelo Ministério do Bem-Estar, temos um cardápio diversificado: an...

Escolixo: quando o Brasil ensina a não aprender

Escolixo: quando o Brasil ensina a não aprender Fonte: https://www.agazeta.com.br/educares/escolixo-termo-ganha-forca-nas-redes-sociais-e-acende-sinais-de-alerta-0825 O neologismo “escolixo” não nasceu para a academia — e talvez seja por isso que tenha se espalhado tão rápido. É tosco, imediato, memético. Uma palavra de bolso, perfeita para as timelines, carregada de uma crítica que não se pretende sofisticada: a escola é lixo. Mas o que poderia ser lido como mera irreverência adolescente se revela, no fundo, como sintoma de um paradoxo estrutural brasileiro: desvaloriza-se uma instituição que nunca foi plenamente valorizada, enquanto se sacraliza um ambiente — as redes sociais — que jamais teve compromisso algum com a formação crítica. O Brasil demorou para ter escola pública, universal e gratuita. A primeira lei que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino primário data do final do século XIX, mas foi pouco ou nada cumprida. Até meados do século XX, a maioria dos brasileir...

Inteligência artificial, infância artificial: o QI que interessa ao mercado

Inteligência artificial, infância artificial: o QI que interessa ao mercado Link original: https://oantagonista.com.br/ladooa/tecnologia/o-efeito-inesperado-do-videogame-no-qi-das-criancas-segundo-a-ciencia/ A curva do QI como índice de domesticabilidade cognitiva Uma manchete que afirma que "videogames aumentam o QI de crianças" parece, à primeira vista, um pequeno alívio no abismo de angústia que cerca o pânico moral das telas. Mas, como todo discurso científico que adquire popularidade nas redes sociais, ele precisa ser interrogado não só pelo que diz, mas principalmente pelo que não diz. Ao propor que o QI aumenta com o videogame, a matéria publicada pelo site  O Antagonista, baseada em um estudo da Karolinska Institutet com mais de 9 mil crianças nos EUA, revela mais sobre o estado da ciência contemporânea e sobre o modelo de infância que estamos fabricando do que sobre o potencial cognitivo real dos jogos digitais. Diz o estudo:  crianças que jogam mais vide...

O narcisismo do botão deletar

O narcisismo do botão deletar [Link original:   https://share.google/vBPIgruDfrVBeiNm7 ] Se tudo pode ser deletado com um clique, o que ainda merece ser vivido? Vivemos um presente onde os laços são frágeis como senhas esquecidas. A promessa da Regulação Europeia da IA — tratada como avanço civilizatório — talvez seja apenas mais uma performance de controle travestida de ética. A União Europeia começa a aplicar as novas regras do AI Act com pompa de salvadores iluministas, mas o que se vende como “transparência” pode ser só mais um teatro moral diante do abismo técnico que ninguém mais compreende. Não por acaso, a mesma UE que regulamenta a IA é cúmplice silenciosa de um capitalismo de vigilância que Shoshana Zuboff já havia denunciado: uma economia onde o dado é mais valioso que o desejo. Estamos diante de um paradoxo grotesco — fingimos que controlamos o algoritmo enquanto o algoritmo aprende a nos deletar melhor. A moral da governança digital é a mesma do mercado: ev...

Quando a ciência vira dívida e a dúvida vira angústia

Quando a ciência vira dívida e a dúvida vira angústia https://www.reuters.com/article/idUSL1N3S00TY Quando a ciência vira dívida e a dúvida vira angústia Ironia ; Você confiaria seu futuro a cientistas e a juros? A ciência emergindo como o último alento de um país exausto não alivia: ela agrava. Porque hoje ela não cura—ela dispara uma dívida. E com ela, a angústia de saber que nada se paga, apenas se enrola. I. Entre promessas técnicas e o peso da dívida Há pouco, o discurso heroico da tecnociência nacional chegou ao clímax retórico: “vamos ser autossuficientes, romper com a dependência intelectual global, labutar por satélites nacionais”. Porém, é óbvio que a retórica ignora a necessidade básica — escutar o sujeito que sofre. Enquanto isso, o Tesouro Nacional divulgou que a dívida pública federal subiu 1,44% em abril de 2025, encerrando o mês em, R$ 7,617 trilhões. Em apenas um mês, foram R $ 70 bilhões de juros incorporados ao estoque. Esse número não é abstr...

Proibir ou performar? O novo moralismo digital australiano

Proibir ou performar? O novo moralismo digital australiano Link original: https://share.google/vL1ImOBZ4iDJJXQ41 #maispertodaignorancia À primeira vista, a proposta australiana de banir adolescentes de redes sociais parece uma tentativa tardia de salvar um sujeito já em decomposição. Seria um gesto de cuidado, se não estivesse encharcado de controle. Seria uma política de proteção, se não soasse como mais uma performance de virtude neoliberal. Mas a história é outra. Segundo o projeto do governo de Victoria, jovens com menos de 16 anos só poderão acessar redes sociais mediante autorização parental comprovada por identificação digital. Parece razoável — afinal, quem não quer proteger “nossas crianças”? O problema é que essa retórica esconde um duplo movimento: o da terceirização da autoridade moral e o da intensificação do rastreamento identitário. Em nome da infância, instala-se mais um algoritmo de vigilância. Freud já nos alertava: onde há repressão, há retorno do recalca...