O que os empresários estão perdendo ao não contratar a
Geração Z
(Por que latir contra a caravana algorítmica não salva margem nem
reputação)
Introdução
– Quando o disquete desdenha do blockchain
A queixa é velha: “Jovens não têm garra, só pensam em
rede social”. O refrão ecoa em conselhos de administração, cafés corporativos e
manchetes infladas, como o artigo do Estadão (10 jun 2025) que
disparou este debate: “Minha empresa não contrata mais Geração Z”. No Brasil,
porém, o latido geracional esconde um custo material gigantesco. Enquanto parte
do empresariado recusa estagiários fluentes em IA generativa, pequenas marcas
que ousaram dar voz a esses “zoomers” saltam de mercados regionais de 30 municípios
para vendas interestaduais via live-commerce; startups de dois anos fecham
rodadas Série A graças à escalabilidade digital que seus squads nativos
trouxeram; indústrias pilotam gêmeos digitais porque a equipe de trainees
hackeou o MES da planta.
A contradição é marxiana até o osso: o meio de
produção mudou (dados, algoritmos, cloud), mas parte do capital insiste em
proteger uma hierarquia taylorista, transferindo o risco da inovação para
terceiros. O preço é pago em receita perdida, produtividade travada e fuga de
cérebros. Nas páginas seguintes, examinamos três frentes onde
o boicote à Geração Z reduz competitividade: (1) expansão de mercado e marca;
(2) produtividade e automação; (3) cultura de aprendizado e resiliência.
Fechamos com caminhos pragmáticos para integrar juventude conectada e força de
base, antes que o feed enterre quem ficou na beira da estrada.
1.
Marca além do raio de 30 municípios: alcance, dados e novos canais
1.1
Do varejo municipal ao mercado inter-estados
Segundo o Sebrae/FGV (2024), 72 % das
micro e pequenas empresas que migraram para redes sociais durante a pandemia
mantêm hoje o canal online como principal indutor de novos clientes. A maioria
das operações — campanhas em Reels, live-commerce no TikTok, funis de WhatsApp
Business — foi desenhada por funcionários de 18-27 anos. Não é coincidência
que, nos últimos doze meses, PMEs desse grupo registraram +22 % de
receita média e pela primeira vez faturaram mais fora do
município-sede do que dentro dele (SEBRAE, 2025).
Sem zoomers não há social commerce: 84 % dos usuários
brasileiros de TikTok têm menos de 35 anos (DataReportal, 2025). Contratar quem
já nasce na plataforma custa menos do que terceirizar a performance para
agências caras — e dá à empresa controle sobre dados primários que viram
predição de consumo.
1.2
Marketing preditivo de bolso
A Deloitte (2025) mediu que 57
% da Geração Z brasileira usa IA generativa no trabalho cotidiano. Em
squads de growth hacking, o grupo cria segmentações dinâmicas sem depender do
TI central: basta alimentar o modelo com dados do CRM e testar micro-copys em
horas. É a antítese do calendário promocional anual que ainda rege muito
marketing tradicional. Empresas que ignoram esse motor deixam na mesa:
- Velocidade de campanha – Ciclo de
ideia-teste-otimização cai de 2 semanas para 48 horas.
- Custo por lead – Redução média de 31 % em
PMEs que internalizaram mídia programática sob liderança Gen Z (IAB,
2024).
- Dados proprietários – Cada interação vira
insumo de predição. Plataformas externas cobram aluguel; squads internos
convertem em equity.
1.3
Reputação de marca (ESG nativo)
Zoomers julgam empresas pelo tripé propósito-transparência-impacto.
Mas, sinal invertido, também sabem transformar causa em conversão: relatórios
da Hootsuite (2024) mostram que vídeos de bastidores sobre
cadeias sustentáveis elevam o engajamento em 54 % quando narrados por
colaboradores de até 26 anos. Negar vaga a esse público é ceder narrativa a
concorrentes que falam direto ao consumidor-cidadão.
2.
Produtividade e automação: da planta inteligente à logística de minuto
2.1
O gargalo do chão de fábrica
O Mapa do Trabalho Industrial (SENAI, 2025)
exige requalificar 14 milhões de trabalhadores até 2027 em
mecatrônica, IoT e manutenção de sistemas digitais. Porém a idade mediana dos
operadores é 37 anos; apenas 16 % possuem curso técnico atualizado. A Geração
Z, recém-saída de ETECs e bootcamps, poderia fechar a lacuna, mas encontra
portes giratórias de RH — 91 % dos gestores admitem hesitar em colocá-la na
linha de frente.
Resultado: linhas com robôs cooperativos ociosos
porque falta programador de CLP; ERPs subutilizados por ausência de analistas
de dados; projetos de gêmeo digital empacados quando o trainee que modelava em
Python pede demissão após três meses sem mentor.
2.2
A conta da improdutividade
Estudo da London School of Economics (LSE,
2024) identificou que conflitos geracionais não mediado podem derrubar
até 23 % da produtividade de um time. No Brasil industrial,
isso significa R$ 34 bi/ano em valor adicionado perdido. Contrastemos com
plantas que acolheram squads multigeracionais: uma metalúrgica de Sorocaba
instalou sensores de vibração em prensas hidráulicas; trainees Gen Z criaram
dashboard no Grafana, gerentes seniores ajustaram rotina de manutenção
preditiva. O MTBF subiu 17 % e a parada não planejada despencou.
2.3
Automação inclusiva ou classe inútil?
Yuval Harari prevê uma “classe inútil” se trabalhadores não migrarem para funções
complementares ao algoritmo. O paradoxo brasileiro: a mão de obra que poderia
ocupar esse espaço é barrada; a que fica não recebe upskilling. Sem um pacto de
mentoria intergeracional, a automação vira distopia de desemprego juvenil (hoje
12,9 %) e obsolescência de veteranos — combinação que implode
a base de consumo interno.
3.
Cultura de aprendizado e resiliência: quando turnover vira fidelidade
3.1
Mentoria cruzada
Programas formais elevam a permanência de jovens de 49
% para 72 % (Hult Research, 2024). Mas seu benefício oculto é reduzir
o medo de substituição entre veteranos: compartilhar know-how vira
reconhecimento. Empresas que implantaram reverse mentoring (Zoomer
ensina IA, sênior ensina processo) relataram:
- Queda de 37 % nos choques de comunicação em
seis meses.
- Tempo de onboarding 40 % menor.
- Economia de R$ 8 mi em consultorias
externas de dados (case setor eletroeletrônico, 2024).
3.2
Velocidade de aprendizado (learning velocity)
No capitalismo de vigilância (Zuboff), vantagem
competitiva é traduzir dados em ação antes do rival. Learning velocity
— a rapidez com que a equipe troca e aplica conhecimento — tornou-se KPI de
larga escala. Zoomers crescem nesse ambiente porque a escola de vida deles é
beta permanente: fazer update semanal no app, iterar meme, devorar
micro-tutorial. Empresas que valorizam “tempo de casa” em detrimento de
velocidade de absorção enterram essa vantagem.
3.3
Resiliência macroeconômica
JOHNSON & Partners, consultoria de reestruturação,
analisou 214 PMEs em 2024-25: as que tinham squads Gen Z com autonomia de dados
adaptaram preços, mix de produtos e logística ao choque de IOF em 60 dias; as
demais levaram 4-6 meses e queimaram caixa. Quando o crédito aperta, reagir
primeiro é sobreviver.
Conclusão
– Ou atualizamos o firmware ou terceirizamos o futuro
Karl Marx lembraria que a consciência é filha da
infraestrutura. A infraestrutura agora é algoritmo, 5G, cloud, IA. Recusar a
Geração Z — principal força de trabalho alfabetizada nesse meio — equivale a
recusar o tear mecânico na Revolução Industrial. Quem escolher latir contra
“falta de garra” entregará market-share a concorrentes que já entendem que learning
velocity vale mais que jubileu de crachá.
Mas a integração precisa ser pactuada: mentoria
cruzada, requalificação massiva do chão de fábrica, banda larga significativa
em cada distrito, incentivos fiscais atrelados à contratação dupla (jovens +
veteranos em upskilling). Caso contrário, a profecia de Harari se cumpre com
endereço brasileiro: milhões de NEETs alijados e operários inseguros, enquanto
a elite digital exporta talento em dólar.
Quem late é quem ficou parado; a caravana algorítmica
chama-se Geração Z.
Se o empresário quer atravessar o deserto da volatilidade macroeconômica,
precisa convidar esses nômades digitais para o comboio — e oferecer água, não
somente miragens de estágio mal pago.
Referências
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Censo 2022 – Resultados gerais. Rio de Janeiro,
2023.
BRASIL. IBGE. PNAD Contínua: Mercado de trabalho 2024.
Rio de Janeiro, 2025.
BRASIL. SENAI. Mapa do Trabalho Industrial 2025–2027.
Brasília, 2024.
CETIC.br. Pesquisa TIC Domicílios 2024. São Paulo, 2025.
DELOITTE. Global Gen Z & Millennial Survey 2025. Londres, 2025.
FGV; SEBRAE. Impacto do social commerce nas MPEs brasileiras. São
Paulo, 2024.
HOOTSUITE. Digital 2024 – Brazil. Vancouver, 2024.
HULT INTERNATIONAL BUSINESS SCHOOL. Mentorship & Retention Report.
Boston, 2024.
IAB BRASIL. Benchmark de Mídia Programática 2024. São Paulo, 2025.
JOHNSON & PARTNERS. PME Resilience Index 2025. Londres, 2025.
LONDON SCHOOL OF ECONOMICS. Generational Productivity Gap, 2024.
OECD. PISA 2022 Results (Volume I). Paris, 2023.
ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism. Nova Iorque:
PublicAffairs, 2019.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: A Brief History of Tomorrow. Londres:
Harvill Secker, 2016.
Artigo inspirador: Mavichian, Tiago. “Minha empresa não contrata mais
Geração Z”. Estadão, 10 jun 2025. Disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/radar-do-emprego/minha-empresa-nao-contrata-mais-geracao-z/
José Antônio Lucindo da Silva –
#maispertodaignorancia
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