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A Doença como Última Fronteira da Saúde: Confissões de um Neurótico Civilizado


A Doença como Última Fronteira da Saúde: Confissões de um Neurótico Civilizado

José Antônio Lucindo da Silva — 
#maispertodaignorancia

Resumo

Este ensaio autopsicológico tensiona o mal-estar freudiano com as patologias da performance contemporânea descritas por Byung-Chul Han, e as pulsações desesperadas do niilismo cioraniano. Ao invés de buscar uma cura, o texto assume a doença como última prova de lucidez — não como desvio, mas como resistência simbólica ao colapso higienista da saúde otimizada.

Palavras-chave: Neurótico civilizado; Autoexploração; Sujeito performático; Desespero lúcido; Ironia.



1. Introdução: Quando a Doença Faz Mais Sentido que o Progresso



Freud não previu o TikTok, mas sabia que o preço da civilização seria a neurose. “Tudo aquilo que restringe o homem em suas possibilidades de gozar, provoca nele uma inevitável rebelião” (FREUD, 1930, p. 40) . A repressão era o pedágio da convivência social. Mas agora, libertos do jugo do pai, somos reféns da performance: o patrão mora no espelho.

E o que restou ao neurótico contemporâneo? A ansiedade tratada com mantras de positividade tóxica, a depressão anestesiada em apps de meditação, o burnout transformado em badge de LinkedIn.


2. Freud em Streaming: Mal-estar em Full HD



Freud sabia: a civilização cobra caro. Não por acaso, ele escreve: “A civilização tem de ser edificada sobre coerções e renúncias à pulsão” (FREUD, 1930, p. 79) . Porém, no update 2.0 da civilização, não é mais o “não podes” que nos escraviza, mas o “deves tudo”. A liberdade virou tarefa.

Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, é cirúrgico:


“Hoje somos sujeitos de desempenho. Exploramo-nos até o colapso. Essa liberdade se revela mais eficiente do que o disciplinamento externo” (HAN, 2015, p. 29) .


Assim, a angústia não é uma falha do sistema, mas o próprio sistema funcionando com eficiência máxima.


3. Cioran: O Desespero como Forma de Inteligência


Quando o niilismo entra na conversa, o consolo freudiano e a crítica haniana viram panfletos de autoajuda. Emil Cioran escreve em tom quase profético:


“A saúde? Uma farsa. Um intervalo entre duas catástrofes” (CIORAN, 1995, p. 55) .



Ele não sugere tratamento, mas sarcasmo. Porque a esperança, para ele, é mais patológica que o desespero:


“Quem ainda espera, não entendeu nada” (CIORAN, 1995, p. 82) .


Enquanto isso, eu engulo meus estabilizadores de humor com a culpa de não produzir conteúdo o bastante. Ser sadio, hoje, é continuar funcionando — mesmo sem sentido.


4. Conclusão: O Sintoma é um Grito, Não uma Falha


Do ponto de vista do mercado, o sofrimento é um produto — um capital afetivo a ser explorado. Han chama isso de "capitalismo emocional", onde o sujeito vende a si mesmo como uma narrativa de superação contínua. Freud já dizia que o sintoma é a via indireta do desejo; hoje, o sintoma é um insight para gerar engajamento.

Se adoecer é o último gesto de resistência, então que a minha ansiedade seja meu protesto contra esse culto patológico da saúde como produtividade. Como Cioran sussurra ao fundo:


 “Vivemos para morrer funcionando”.


Referências

FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.

CIORAN, Emil. Nos Cumes do Desespero. Trad. Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 1995.



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