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Empreendedorismo ou Autoexploração? A Nova Face da Liberdade no Mercado de Trabalho

Empreendedorismo ou Autoexploração? A Nova Face da Liberdade no Mercado de Trabalho



Dizem por aí que o futuro do trabalho é o empreendedorismo, que ser dono do próprio negócio é o caminho para a liberdade financeira. Mas me pergunto: essa tal liberdade não tem se parecido mais com um trabalho sem fim, onde a única certeza é a incerteza? Quando o capital nos vende a ideia de sermos empresários de nós mesmos, estamos de fato conquistando autonomia ou apenas trocando de patrão, sendo o novo chefe tão implacável quanto o anterior (ou pior)?

Será mesmo que o discurso de que trabalhar para si é melhor do que ter um emprego fixo se sustenta quando olhamos os números de horas trabalhadas? Porque, veja bem, na informalidade, muitos trabalham o dobro para ganhar o mesmo—e ainda acham que estão vencendo na vida. Alguém já se perguntou o que aconteceria se esse mesmo esforço dobrado fosse aplicado dentro do trabalho formal? Será que os ganhos não seriam iguais ou até superiores, só que com direitos garantidos e um mínimo de previsibilidade?

E por falar em previsibilidade, qual o impacto desse crescimento da informalidade no mercado de trabalho como um todo? Quando mais da metade da população de certos estados trabalha sem registro, não estamos, na prática, justificando ainda mais a flexibilização dos direitos trabalhistas? Porque se o mercado já aceita e normaliza a precarização, por que manter proteções para quem ainda tem a CLT? A informalidade não funciona, no final das contas, como um argumento para desmontar as próprias leis trabalhistas, sempre em nome da “modernização” e da “livre escolha”?

Byung-Chul Han (2017) já havia alertado que o neoliberalismo transformou cada indivíduo em seu próprio explorador, num sistema onde nos exploramos voluntariamente e ainda achamos que estamos sendo protagonistas. E aqui está o paradoxo: a promessa de autonomia nos torna mais escravizados do que nunca. Porque agora, sem direitos, sem horários, sem garantias, a falha é sempre nossa. Não há patrão para culpar, não há sindicato para recorrer. O fracasso é individualizado, e o sucesso? Ah, esse continua sendo coletivizado no discurso motivacional das redes sociais.

Então, me diga: a flexibilização das leis trabalhistas protege o mercado ou o trabalhador? Se a lógica do capital prega que a autonomia vem com mais trabalho e menos direitos, não estamos apenas reinventando a escravidão com novas palavras? Afinal, quando foi que vender a própria força de trabalho sem proteção passou a ser sinônimo de liberdade?

Referências:

HAN, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

LAZZARATO, Maurizio. O Governo do Homem Endividado. São Paulo: n-1 Edições, 2017.

SCHWARTZ, Bernard. O Capital e suas Metamorfoses. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

HARVEY, David. O Neoliberalismo: História e Implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2005.


#maispertodaignorancia 
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