Avançar para o conteúdo principal

A Sustentabilidade Como Moeda de Troca: Um Paradoxo do Antropoceno


A Sustentabilidade Como Moeda de Troca: Um Paradoxo do Antropoceno


Nosso tempo é irônico. Sentamos à mesa com dados alarmantes sobre mudanças climáticas, destruição ambiental e colapso de ecossistemas, enquanto brindamos a discursos que mascaram a verdade: o planeta está à venda. Não sou cientista, mas o que vejo, leio e discuto me leva a pensar que a chamada sustentabilidade não é mais do que uma mercadoria discursiva. Uma ferramenta cuidadosamente embalada para manter as engrenagens de um sistema econômico que se alimenta da destruição que diz combater.

Comecemos pelos números. Dados projetam que até 2050 a população mundial chegará a 9 bilhões de pessoas (brasil.un.org). Parece uma façanha, considerando que nossos recursos estão se esgotando em uma velocidade sem precedentes. Com esse crescimento, a pergunta inevitável é: quem será capaz de sustentar tanta gente? Talvez nem seja necessário, afinal, também há estudos que indicam que as mudanças climáticas e suas consequências podem reduzir a população global em até 1 a 2 bilhões até 2050. Parece cruel dizer isso, mas a natureza parece estar "redistribuindo" sua carga, enquanto nós insistimos em brincar de deuses do mercado.

No entanto, não me iludo. Não estamos falando de humanidade, dignidade ou sobrevivência, mas de produtividade. Eventos como o Fórum Econômico Mundial em Davos trazem discursos pomposos sobre biodiversidade, economia sustentável e reflorestamento. Mas, na prática, o que se vê é a destruição superar em muito os esforços de recuperação. Segundo a CNN Brasil, em 2024 o Brasil perdeu 30,8 milhões de hectares para queimadas, enquanto se comprometeu a restaurar apenas 12 milhões até 2030 (cnnbrasil.com.br; jovempan.com.br). Ora, quem está se beneficiando desse desequilíbrio? A resposta é evidente: conglomerados internacionais que financiam esses discursos enquanto exploram nossos recursos.

A floresta amazônica, frequentemente chamada de "pulmão do mundo", tornou-se moeda de troca. Vende-se o discurso de preservação para manter o Brasil relevante em blocos econômicos, enquanto se permite que a destruição continue. O mais irônico é que essa destruição gera lucro. Queimadas abrem espaço para monoculturas e pastagens que alimentam a indústria global de commodities, enquanto o reflorestamento serve para lavar a imagem das corporações. A sustentabilidade, ao que parece, é só mais uma mercadoria.

E o Antropoceno? Essa era geológica em que a atividade humana se tornou a força predominante no planeta já nos colocou em uma condição irreversível. Alteramos os ciclos naturais de tal forma que não há retorno possível. Mesmo assim, insistimos em usar a ciência não para frear a destruição, mas para justificar o discurso de que ainda há esperança – uma esperança convenientemente lucrativa para alguns. Não é à toa que a chamada "economia verde" se tornou a nova fronteira do capitalismo.

Em um cenário onde os recursos se esgotam e a população cresce, surge uma pergunta irônica e cruel: como manter 9 bilhões de pessoas com uma estrutura cada vez mais escassa? A resposta está nas entrelinhas dos discursos que ouvimos em Davos. Não se trata de salvar vidas, mas de sustentar a produtividade. E, nesse jogo, quem está perdendo? As nações que produzem, destroem e vendem seus recursos para economias que só consomem o lucro do sistema.

Há algo profundamente distorcido nessa lógica. Enquanto celebramos as metas de reflorestamento e as iniciativas de compensação de carbono, ignoramos que essas mesmas metas são insuficientes para conter a destruição que já causamos. A retórica da sustentabilidade não é sobre salvar o planeta, mas sobre salvar o mercado. E, se o planeta não sobreviver, ao menos o lucro estará garantido até o último momento.

Digo isso não como alguém que se considera acima desse sistema, mas como alguém que observa as contradições e tenta compreender seu significado. A condição existencial da humanidade foi transformada em mercadoria. Nossa sobrevivência é negociada como um produto, enquanto os dados de destruição continuam a se acumular. É uma ironia cruel, mas profundamente reveladora.

Olhando para o futuro, não posso deixar de pensar que o verdadeiro legado do Antropoceno não será a preservação, mas a mercantilização da vida. Um legado onde a floresta, a água e até o ar se tornaram produtos negociáveis, enquanto a dignidade humana foi relegada ao segundo plano. O que resta, então? Talvez apenas a consciência de que somos peças em um jogo muito maior – um jogo onde a vida vale menos do que o lucro que se pode extrair dela.


---

Referências

Fonte da crítica: 
( https://exame.com/esg/brasil-mostra-em-davos-forca-da-cooperacao-para-restaurar-florestas/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR2LCwKtOZZ3dtIoZlY6oueLCDZl6h_61IMzpTdr-_JcNQ5BAuoK1D7gZVQ_aem_CNIxrnzJm8LHFosjm0e2vA )

1. "População mundial deve chegar a 9,7 bilhões de pessoas em 2050, diz relatório da ONU." Nações Unidas Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/83427-popula%C3%A7%C3%A3o-mundial-deve-chegar-97-bilh%C3%B5es-de-pessoas-em-2050-diz-relat%C3%B3rio-da-onu.


2. "Reflorestamento pode gerar R$ 776 bilhões para o Brasil, diz estudo." CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/reflorestamento-pode-gerar-r-776-bilhoes-para-o-brasil-diz-estudo/.


3. "Queimadas no Brasil tiveram aumento de 79% em 2024." Jovem Pan. Disponível em: https://jovempan.com.br/noticias/brasil/queimadas-no-brasil-tiveram-aumento-de-79-em-2024.html.


4. "O que é o Antropoceno e por que esta teoria científica responsabiliza a humanidade." National Geographic Brasil. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2023/01/o-que-e-o-antropoceno-e-por-que-esta-teoria-cientifica-responsabiliza-a-humanidade.


#maispertodaignorancia

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo Introdução: A Farsa da Liberdade na Sociedade Digital Ah, que tempos maravilhosos para se viver! Nunca estivemos tão livres, tão plenos, tão donos do nosso próprio destino – pelo menos é o que os gurus da autoajuda e os coachs do Instagram querem nos fazer acreditar. Afinal, estamos todos aqui, brilhando no feed infinito, consumindo discursos pré-moldados e vendendo nossas identidades digitais como se fossem produtos de supermercado. E o melhor de tudo? A ilusão da escolha. Podemos ser quem quisermos, desde que esse "eu" seja comercializável, engajável e rentável para os algoritmos que regem essa bela distopia do século XXI. Se Freud estivesse vivo, talvez revisitasse O Mal-Estar na Civilização (1930) e reescrevesse tudo, atualizando sua teoria do recalque para algo mais... contemporâneo. Afinal, hoje não reprimimos nada – muito pelo contrário. Estamos todos em um estado de hiperexpressão, gritando par...