Avançar para o conteúdo principal

Comandos, Perguntas e a Arte Perdida de Pensar



Há algo quase cômico — se não fosse trágico — em perceber que vivemos em uma época onde o poder de comandar, de mudar, de transformar, depende de algo tão simples e tão complexo: perguntas. Parece óbvio, mas não é. Afinal, quando foi a última vez que você, eu, qualquer um de nós, fez uma pergunta realmente boa? Perguntas que abalam, que movem, que exigem mais do que uma busca no Google.

O problema não está apenas na nossa incapacidade de fazer perguntas. Não, isso seria fácil de resolver. O problema é mais profundo: vivemos alienados em nossos "4x4" de segurança — quartos, telas, bolhas —, onde o mundo material se resume ao próximo clique. Ali, onde deveria existir tensão com o real, encontramos a apatia de quem vive uma "existência confortável". O resultado? As perguntas tornam-se rasas, limitadas por demandas imediatas: “Qual tênis vai me fazer correr mais rápido?”, “Como evitar que o pino caia enquanto faço supino?” — um verdadeiro hino à superficialidade.

Mas não se engane. Fazer boas perguntas não é para qualquer um. É preciso coragem para confrontar a própria materialidade, revisitar o passado, aquele que, como Kierkegaard nos lembra, é a única vida realmente vivida. Só o passado nos ensina a lidar com a dor, o fracasso e a tensão. É dessa fricção que surgem perguntas significativas. No entanto, nossa contemporaneidade — embriagada pela tecnologia e pelo mercado — prefere perguntas que não incomodem, que confirmem a narrativa imediatista do agora. Afinal, por que se preocupar com o meio ambiente se o ar-condicionado no meu 4x4 já resolve meu problema?

A tecnologia, claro, não é neutra. Ela está alicerçada na lógica mercantilista: ranqueamento, curtidas, engajamento. Até as perguntas são filtradas por algoritmos que priorizam o que "vende" sobre o que "vale". Isso não é novidade. Mas aqui entra a ironia: mesmo em um sistema que oprime, quem faz boas perguntas ainda se destaca. Perguntas autênticas podem subverter, podem expor as contradições do próprio mercado.

Então, onde estamos? Perdidos entre demandas rasas e uma incapacidade de olhar para o passado. Ainda assim, há esperança. A resistência está na tensão, como Freud nos ensinou, e na capacidade de construir perguntas que enfrentem a realidade material. Não há ambiente ideal para isso, e talvez nem devesse haver. Perguntas transformadoras nascem de choques, de crises, de confrontos com o real — algo impossível de experimentar dentro das paredes de um quarto seguro.

Talvez seja hora de perguntar: o que nos resta além de consumir e repetir discursos?


#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva 


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo Introdução: A Farsa da Liberdade na Sociedade Digital Ah, que tempos maravilhosos para se viver! Nunca estivemos tão livres, tão plenos, tão donos do nosso próprio destino – pelo menos é o que os gurus da autoajuda e os coachs do Instagram querem nos fazer acreditar. Afinal, estamos todos aqui, brilhando no feed infinito, consumindo discursos pré-moldados e vendendo nossas identidades digitais como se fossem produtos de supermercado. E o melhor de tudo? A ilusão da escolha. Podemos ser quem quisermos, desde que esse "eu" seja comercializável, engajável e rentável para os algoritmos que regem essa bela distopia do século XXI. Se Freud estivesse vivo, talvez revisitasse O Mal-Estar na Civilização (1930) e reescrevesse tudo, atualizando sua teoria do recalque para algo mais... contemporâneo. Afinal, hoje não reprimimos nada – muito pelo contrário. Estamos todos em um estado de hiperexpressão, gritando par...