O discurso de XXXX, embora bem estruturado e baseado em uma experiência direta com a realidade da recuperação, revela um aspecto importante: sua visão está fortemente ancorada em um ambiente específico e controlado, como o de uma instituição clínica. Essa limitação, que não desvaloriza sua fala, apenas a restringe a um espaço discursivo que não necessariamente se aplica ao caos da vida cotidiana fora desse ambiente. A questão que surge aqui, então, é como os comportamentos e percepções construídos dentro desse espaço podem sustentar o indivíduo quando ele é exposto a uma realidade fluida, onde as regras e verdades são constantemente questionadas e reconfiguradas.
Dentro de uma clínica, as regras são claras, as escolhas são limitadas e o ambiente proporciona uma sensação de segurança. No entanto, quando o indivíduo sai desse espaço e é inserido novamente na sociedade – um ambiente caótico e imprevisível – as regras rígidas da instituição não se aplicam mais da mesma maneira. O discurso de XXXXX, focado em seguir as regras e encontrar equilíbrio, é válido naquele espaço institucional, mas ao sair da clínica, o indivíduo enfrenta a multiplicidade de eventos e escolhas que a sociedade impõe. Nesse ponto, a tensão se instala, pois o que foi aprendido dentro da clínica nem sempre consegue lidar com a realidade externa.
Freud nos ensina que o ser humano está sempre em busca de prazer, tentando evitar o sofrimento. No entanto, no caso da dependência química, a busca incessante por prazer se transforma em uma armadilha, onde a substância ou comportamento adictivo cria uma funcionalidade disruptiva que desconecta o indivíduo da sociedade e das relações saudáveis com o mundo. Quando a pessoa está dentro da instituição, há um foco claro em eliminar a substância, mas a questão comportamental subjacente muitas vezes não é adequadamente elaborada. Como discutimos, essa ausência de elaboração gera um vazio que, ao sair da clínica, o indivíduo não está preparado para enfrentar.
Ao trazer o conceito de não-coisa de Byung-Chul Han para a discussão, percebemos que a própria droga se transforma em uma "não-coisa", uma funcionalidade que já não oferece mais prazer genuíno, mas apenas uma ilusão de alívio momentâneo. A recuperação, nesse sentido, pode se tornar um processo semelhante, onde as regras da clínica funcionam enquanto o indivíduo está naquele ambiente, mas perdem força no mundo externo, tornando-se, elas também, "não-coisas" que não conseguem sustentar o indivíduo fora daquele contexto.
Ao transitar entre diferentes ambientes – o clínico, o social e o virtual –, o indivíduo em recuperação enfrenta a complexidade de adaptar-se a novas regras e percepções. No espaço virtual, por exemplo, as verdades são ainda mais líquidas e a relação com o real se torna mais difícil de sustentar. Isso leva o indivíduo a um limbo, onde ele busca verdades para sustentar o que foi negado durante o período de dependência, mas se depara com uma realidade onde essas verdades são frágeis ou inexistentes.
Nesse ponto, o Mito de Sísifo, apresentado por Albert Camus, se torna uma metáfora poderosa para a recuperação. Sísifo, condenado a rolar uma pedra montanha acima, apenas para vê-la descer de volta, representa o esforço perpétuo e aparentemente inútil. Assim como o trabalho de Sísifo, a recuperação pode parecer um ciclo sem fim, onde o indivíduo deve constantemente lidar com a tensão entre o vazio e a busca por prazer. No entanto, Camus sugere que "é preciso imaginar Sísifo feliz", não porque ele tenha uma solução, mas porque ele aceita a natureza absurda de sua condição e, nesse ato de aceitação, encontra uma forma de liberdade.
Da mesma forma, o processo de recuperação, embora pareça um trabalho inútil, pode ser visto sob uma nova luz. O indivíduo em recuperação não deve buscar uma "cura" definitiva, mas aprender a viver dentro desse ciclo, aceitando a perpetuidade da luta. O vazio que surge durante a recuperação, ao contrário de ser apenas uma ausência, pode ser visto como um espaço de elaboração, onde novas percepções e significados podem ser construídos. No entanto, a cultura do prazer imediato, que domina o mundo social e virtual, muitas vezes impede que essa elaboração aconteça, levando o indivíduo a buscar satisfação instantânea em vez de lidar com a tensão do vazio.
Portanto, o discurso de XXXXX, embora válido dentro do ambiente clínico, não oferece respostas adequadas para a complexidade da realidade externa. A transição entre esses mundos – do clínico para o social, e do social para o virtual – exige uma flexibilidade de regras e uma preparação para lidar com a multiplicidade de escolhas e percepções. O vazio, que inicialmente parece angustiante, pode ser transformado em uma oportunidade de reconstrução, mas para isso é necessário que o indivíduo tenha as ferramentas adequadas para elaborar suas percepções de forma construtiva.
Em resumo, a recuperação, como o trabalho de Sísifo, é uma luta contínua, mas que não precisa ser vista como inútil. Ao aceitar a natureza perpétua dessa luta, o indivíduo pode encontrar resiliência e até significado. O desafio está em fornecer as ferramentas certas para que essa elaboração aconteça, tanto dentro da clínica quanto no mundo exterior. E, ao contrário do que XXXX sugere, as regras rígidas que funcionam na clínica precisam ser flexibilizadas e adaptadas à realidade social e virtual, onde o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, são infinitamente mais líquidos.
Referências Bibliográficas
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2019.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. As Coisas: Ensaios Sobre a Obra de Arte e a Experiência Estética. Lisboa: Relógio D'Água, 2015.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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O discurso de XXXX, embora bem estruturado e baseado em uma experiência direta com a realidade da recuperação, revela um aspecto importante: sua visão está fortemente ancorada em um ambiente específico e controlado, como o de uma instituição clínica. Essa limitação, que não desvaloriza sua fala, apenas a restringe a um espaço discursivo que não necessariamente se aplica ao caos da vida cotidiana fora desse ambiente. A questão que surge aqui, então, é como os comportamentos e percepções construídos dentro desse espaço podem sustentar o indivíduo quando ele é exposto a uma realidade fluida, onde as regras e verdades são constantemente questionadas e reconfiguradas. Dentro de uma clínica, as regras são claras, as escolhas são limitadas e o ambiente proporciona uma sensação de segurança. No entanto, quando o indivíduo sai desse espaço e é inserido novamente na sociedade – um ambiente caótico e imprevisível – as regras rígidas da instituição não se aplicam mais da mesma maneira. O discurso de XXXXX, focado em seguir as regras e encontrar equilíbrio, é válido naquele espaço institucional, mas ao sair da clínica, o indivíduo enfrenta a multiplicidade de eventos e escolhas que a sociedade impõe. Nesse ponto, a tensão se instala, pois o que foi aprendido dentro da clínica nem sempre consegue lidar com a realidade externa. Freud nos ensina que o ser humano está sempre em busca de prazer, tentando evitar o sofrimento. No entanto, no caso da dependência química, a busca incessante por prazer se transforma em uma armadilha, onde a substância ou comportamento adictivo cria uma funcionalidade disruptiva que desconecta o indivíduo da sociedade e das relações saudáveis com o mundo. Quando a pessoa está dentro da instituição, há um foco claro em eliminar a substância, mas a questão comportamental subjacente muitas vezes não é adequadamente elaborada. Como discutimos, essa ausência de elaboração gera um vazio que, ao sair da clínica, o indivíduo não está preparado para enfrentar. Ao trazer o conceito de não-coisa de Byung-Chul Han para a discussão, percebemos que a própria droga se transforma em uma "não-coisa", uma funcionalidade que já não oferece mais prazer genuíno, mas apenas uma ilusão de alívio momentâneo. A recuperação, nesse sentido, pode se tornar um processo semelhante, onde as regras da clínica funcionam enquanto o indivíduo está naquele ambiente, mas perdem força no mundo externo, tornando-se, elas também, "não-coisas" que não conseguem sustentar o indivíduo fora daquele contexto. Ao transitar entre diferentes ambientes – o clínico, o social e o virtual –, o indivíduo em recuperação enfrenta a complexidade de adaptar-se a novas regras e percepções. No espaço virtual, por exemplo, as verdades são ainda mais líquidas e a relação com o real se torna mais difícil de sustentar. Isso leva o indivíduo a um limbo, onde ele busca verdades para sustentar o que foi negado durante o período de dependência, mas se depara com uma realidade onde essas verdades são frágeis ou inexistentes. Nesse ponto, o Mito de Sísifo, apresentado por Albert Camus, se torna uma metáfora poderosa para a recuperação. Sísifo, condenado a rolar uma pedra montanha acima, apenas para vê-la descer de volta, representa o esforço perpétuo e aparentemente inútil. Assim como o trabalho de Sísifo, a recuperação pode parecer um ciclo sem fim, onde o indivíduo deve constantemente lidar com a tensão entre o vazio e a busca por prazer. No entanto, Camus sugere que "é preciso imaginar Sísifo feliz", não porque ele tenha uma solução, mas porque ele aceita a natureza absurda de sua condição e, nesse ato de aceitação, encontra uma forma de liberdade. Da mesma forma, o processo de recuperação, embora pareça um trabalho inútil, pode ser visto sob uma nova luz. O indivíduo em recuperação não deve buscar uma "cura" definitiva, mas aprender a viver dentro desse ciclo, aceitando a perpetuidade da luta. O vazio que surge durante a recuperação, ao contrário de ser apenas uma ausência, pode ser visto como um espaço de elaboração, onde novas percepções e significados podem ser construídos. No entanto, a cultura do prazer imediato, que domina o mundo social e virtual, muitas vezes impede que essa elaboração aconteça, levando o indivíduo a buscar satisfação instantânea em vez de lidar com a tensão do vazio. Portanto, o discurso de XXXXX, embora válido dentro do ambiente clínico, não oferece respostas adequadas para a complexidade da realidade externa. A transição entre esses mundos – do clínico para o social, e do social para o virtual – exige uma flexibilidade de regras e uma preparação para lidar com a multiplicidade de escolhas e percepções. O vazio, que inicialmente parece angustiante, pode ser transformado em uma oportunidade de reconstrução, mas para isso é necessário que o indivíduo tenha as ferramentas adequadas para elaborar suas percepções de forma construtiva. Em resumo, a recuperação, como o trabalho de Sísifo, é uma luta contínua, mas que não precisa ser vista como inútil. Ao aceitar a natureza perpétua dessa luta, o indivíduo pode encontrar resiliência e até significado. O desafio está em fornecer as ferramentas certas para que essa elaboração aconteça, tanto dentro da clínica quanto no mundo exterior. E, ao contrário do que XXXX sugere, as regras rígidas que funcionam na clínica precisam ser flexibilizadas e adaptadas à realidade social e virtual, onde o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, são infinitamente mais líquidos. Referências Bibliográficas
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2019. FREUD,
Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. As Coisas: Ensaios Sobre a Obra de Arte e a Experiência Estética. Lisboa: Relógio D'Água, 2015.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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