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A DISSOLUÇÃO DO EU E A TENSÃO NO CIBERESPAÇO: UMA REFLEXÃO SOBRE OS IMPACTOS DOS IMPLANTES CEREBRAIS


Neste artigo, proponho uma reflexão sobre os impactos das tecnologias de implantes cerebrais, como o projeto Neuralink, analisando suas implicações éticas, filosóficas e existenciais. Busco compreender como essas inovações tecnológicas interferem na noção de "eu", na privacidade e na relação com o outro. Com base em autores como Kierkegaard, Freud e Byung-Chul Han, exploro a dissolução do "eu" em um ciberespaço que elimina a tensão essencial humana, substituindo-a por uma artificialidade que ameaça desumanizar o sujeito.



1. INTRODUÇÃO


Sempre me questionei sobre o impacto que a tecnologia exerce sobre nossa forma de ser e existir no mundo. Quando me deparo com notícias sobre implantes cerebrais, como os da Neuralink, não consigo evitar uma certa inquietação. Apesar de reconhecer as possíveis contribuições dessas tecnologias para pessoas com deficiências, vejo que elas levantam questões éticas e existenciais profundas.


Este artigo é um convite à reflexão. Quero abordar como esses implantes, que prometem conectar nossos cérebros diretamente a dispositivos digitais, colocam em risco a própria constituição do "eu". Ao perdermos a privacidade e a capacidade de introspecção, estamos diante de um perigo: a dissolução de nossa singularidade em um espaço discursivo mediado e controlado.


2. A ACEITAÇÃO COMO UM PROJETO DISCURSIVO


Eu acredito que a aceitação dessas tecnologias não é algo que acontece de forma espontânea. É resultado de um longo processo cultural que nos prepara para aceitar como inevitáveis certas inovações. Obras de ficção, como Matrix ou narrativas cyberpunk, sempre me fascinaram, mas também me fizeram perceber que muitas dessas histórias não são apenas alertas, mas também dispositivos de normalização.


Ao pensar sobre isso, vejo como essas narrativas moldam nossa percepção de que o humano e a máquina devem se fundir. Byung-Chul Han, em suas reflexões, aponta que no ciberespaço o outro se transforma em uma funcionalidade, e isso me faz questionar: será que, ao aceitarmos tecnologias como os implantes cerebrais, estamos também aceitando a perda daquilo que nos torna humanos?



3. PRIVACIDADE, SEGREDO E O AUTOCONHECIMENTO


Para mim, o que mais me preocupa é a violação da privacidade e do segredo que essas tecnologias possibilitam. Freud nos ensina que o inconsciente é construído por aquilo que mantemos oculto. O segredo, para mim, é um espaço fundamental para o autoconhecimento. Sem ele, como posso me conhecer verdadeiramente?


Ao imaginar um chip cerebral que monitora pensamentos em tempo real, vejo o desaparecimento da introspecção como uma ameaça concreta. Se tudo o que penso pode ser exposto ou manipulado, pergunto: quem sou eu nesse cenário? Minha relação comigo mesmo se dissolve, e o autoconhecimento, que exige tempo e privacidade, se torna impossível.



4. O OUTRO QUE NÃO É OUTRO


Algo que sempre me intriga é o papel do outro na constituição do "eu". Freud e Kierkegaard nos mostram que a tensão com o outro é indispensável para que eu me defina. No entanto, no ciberespaço, essa tensão é substituída por uma interação artificial. O outro, nesse ambiente, deixa de ser um mistério e se torna uma projeção idealizada ou funcional, algo que existe apenas para satisfazer minhas demandas.


Quando penso sobre isso, percebo como essa mudança é perigosa. Se o outro deixa de ser um desafio, será que eu ainda posso me transformar? O "eu", nesse espaço, se torna uma soma de expectativas, um reflexo vazio de algo que deveria ser profundamente humano.



5. A BUSCA PELO IDEAL E A DISSOLUÇÃO DO EU


No ciberespaço, percebo que somos incentivados a buscar o ideal, aquilo que valida nossas demandas e nos faz sentir confortáveis. No entanto, como Kierkegaard coloca, é a angústia diante do possível que nos faz humanos. Se essa angústia desaparece, o que resta de nós?


Vejo essa busca pelo ideal como uma armadilha. Ao eliminar a alteridade e a imprevisibilidade do outro, criamos um "eu" que não é mais um processo, mas um produto. Essa transformação ameaça desumanizar nossa existência, reduzindo nossa subjetividade a dados e algoritmos.



6. CONCLUSÃO


Diante de tudo isso, concluo que a introdução de tecnologias como os implantes cerebrais representa mais do que um avanço técnico: é uma ameaça à própria ontologia do ser humano. Ao dissolver o "eu" em um espaço mediado, onde tudo é exposto e monitorado, perdemos nossa singularidade e nossa liberdade.


Eu continuo me perguntando: quem sou eu em um mundo onde o autoconhecimento é inviável e onde o outro não passa de uma funcionalidade? Acredito que, antes de aceitarmos essas tecnologias, precisamos questionar não apenas sua eficácia, mas também seus impactos éticos e existenciais. Só assim poderemos resistir à desumanização e reafirmar nossa condição humana.




REFERÊNCIAS



BYUNG-CHUL HAN. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.


BYUNG-CHUL HAN. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.


FREUD, S. Além do princípio do prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1920.


KIERKEGAARD, S. O conceito de angústia. São Paulo: Abril Cultural, 1984.


NICOLELIS, M. O verdadeiro criador de tudo: como o cérebro humano esculpiu o universo como o conhecemos. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.


ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva





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