Amor: O Fogo Que Arde Sem Se Ver
Ao despertar nas manhãs de ontem e hoje, veio-me uma compreensão inquietante sobre como as relações se formam no contexto de nossas vidas atuais. Afinal, só podemos falar daquilo que vivemos ou estamos vivendo. As vidas passadas ficaram no passado, enquanto as vidas não vividas assombram-nos como fantasmas discursivos e mediáticos. Contudo, a vida que importa é a que pulsa aqui e agora, nesse exato instante. E se possível, é fundamental lembrar disso, não como forma de desespero, mas como libertação.
No mar revolto chamado vida, mesmo em meio às nossas incessantes buscas por identidade ou um papel existencial, muitas vezes somos deixados vazios. Sentir — verdadeiramente sentir — parece estar cada vez mais raro. E talvez nada traduza isso com tanta profundidade quanto o amor, esse sentimento tão antigo quanto a própria humanidade.
O amor, esse velho conhecido, é tido como garantidor de alegrias, felicidade e plenitude. Mas, se olharmos com mais cuidado, percebemos que ele é, antes de tudo, uma construção subjetiva. É uma busca que, em muitos casos, não encontra o ideal projetado, revelando-se como um dos mais poderosos sintomas do que somos: seres incompletos, contraditórios e, ainda assim, apaixonados.
Amar, na forma mais aberta e livre, exige coragem. É um ato brutal de entrega. Ele não se explica, apenas existe. Cada um encontra no amor uma interpretação única, um reflexo de sua própria complexidade. Mas há algo que une todos os que amam: na experiência do amor, deixamos de ser "eu" para ser "outro". É nesse espaço de diferença, nessa tensão primordial, que o amor acontece.
Renato Russo, em suas músicas, soube captar as nuances dessa experiência. Em Eduardo e Mônica, vemos as contradições essenciais do amor: diferenças que, ao invés de separar, unem. Já em Monte Castelo, fragmentos poéticos nos lembram que o amor é "fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente". Esses versos, emprestados do passado, ecoam uma verdade universal: o amor transcende os limites do nosso "eu discursivo". Ele nos conecta, ainda que temporariamente, a algo maior que nós mesmos.
O mais intrigante é que aquilo que nos trouxe até aqui como espécie foi justamente o desejo pelo outro. O amor, em sua essência, não depende de demandas ou expectativas. É na tensão entre os opostos, na diferença que desafia, que ele encontra sua força. No entanto, na contemporaneidade, essa tensão parece ter desaparecido. Vivemos numa época em que o menor atrito dissolve relações, e o amor, em sua forma mais pura, esvanece ao contato.
Para ilustrar, pensemos no aprendizado de andar de bicicleta. É uma experiência que nos machuca: caímos, nos arranhamos, sentimos dor. Ainda assim, não desistimos, pois o prazer de andar supera o medo de cair. Curiosamente, o amor funciona de forma semelhante. Ele nos desafia, nos coloca em risco, mas também nos recompensa de maneiras que transcendem a lógica. Ao contrário do aprendizado da bicicleta, porém, não há mecanismos ou fórmulas para "melhorar" no amor. Como diria o poeta, "na verdade, não há".
O amor, em sua essência, não precisa de fórmulas ou justificativas. Ele é, foi, e sempre será a força que nos impulsiona a ir além de nós mesmos. Talvez o segredo esteja em abraçar a tensão, o desafio e a entrega. Pois é no risco que reside a verdadeira beleza de amar.
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