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Reflexões críticas sobre sociedade, tecnologia e existência. Explore e se aproxime da ignorância

Fontes recentes: quando dados gritam e o medo fica mudo

Fontes recentes: quando dados gritam e o medo fica mudo Pode ser o pica das métricas, o mestre dos protocolos, mas sem escutar o medo cru do outro você não é nada, mano. Os números estão aí, frios. Um levantamento recente mostra que o suicídio entre adolescentes no Brasil cresceu 81% em uma década. O dado se repete: mais jovens, de 10 a 19 anos, morrendo por suicídio, enquanto a sociedade investe cada vez mais em filtros amarelos e campanhas de prevenção. Ao mesmo tempo, outro estudo gigantesco descobre 26 loci genéticos associados à epilepsia, abrindo caminhos para terapias personalizadas. E, na rede pública, os atendimentos para epilepsia aumentam 120% em cidades como Campinas. Em tese, são boas notícias: mais ciência, mais acesso. Mas o que acontece com quem volta dessas crises, dessas tentativas involuntárias, desses estados-limite? Onde está a escuta para o medo cru? As campanhas falam do ato; a clínica, dos sintomas; a sociedade, dos rótulos; a religião, das promessas...
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Constantine sem fases: medo, retorno e escuta radical

Constantine sem fases: medo, retorno e escuta radical Pode ser o bam-bam-bam da ciência, o mestre dos protocolos, o pica das métricas… mas quando alguém volta do nada sem narrativa, não é manual nem protocolo: é humano com humano. Em Constantine vemos um personagem que é tratado como louco porque vê o que ninguém vê. Tenta suicídio não por “livre escolha”, mas porque não aguenta mais o que vê. Depois descobre que tem câncer — um diagnóstico terminal que ameaça eliminá-lo biologicamente e discursivamente. Ao mesmo tempo em que se declara niilista, faz barganhas com instâncias sobrenaturais para tentar escapar de um destino que lhe foi prometido pelas liturgias religiosas. Vive um paradoxo: discursivamente “nada faz sentido”, mas ao mesmo tempo preso à negociação com algo maior. Constantine é um Neo sem Morpheus: tem acesso ao “código”, mas não tem um outro confiável para intermediar sua travessia. Essa imagem expõe o que chamamos aqui de estado-limite: coma, crises neurológi...

O suicídio social involuntário: diagnósticos, métricas e exclusão

O suicídio social involuntário: diagnósticos, métricas e exclusão Pode ser o mano das métricas, o doutor das teses, o brabo do feed. Mas, diante de quem carrega um rótulo que não escolheu, não é manual nem protocolo: é humano com humano. Durkheim escreveu que o suicídio não é apenas um ato individual, mas um fenômeno social. O grau de integração e regulação de uma sociedade determina as taxas e formas de suicídio. Mais de um século depois, em pleno capitalismo de vigilância, essa intuição fica evidente. Diagnósticos que deveriam orientar cuidado viram estigma. Algoritmos transformam sofrimento em métrica. Campanhas de prevenção viram filtros. O sujeito que atravessa um estado-limite – coma, crise neurológica, tentativa involuntária de autoextermínio – pode sobreviver biologicamente, mas ser morto simbolicamente: afastamento familiar, perda de vínculos, exclusão laboral, cancelamento social. Um “suicídio social” involuntário. Bauman chamou de “liquidez” o processo em que ins...

Amor Fati sem pedra: quando o destino não é escolha

Amor Fati sem pedra: quando o destino não é escolha Pode ser o mano das métricas, o mestre das teses, o brabo do feed. Mas, diante de quem voltou do nada, esquece o script: é humano com humano. Nietzsche propôs o Amor Fati – amar o destino, não apenas suportá-lo, mas afirmá-lo integralmente, “eu quero que tudo se repita eternamente”. Viktor Frankl dizia “quem tem um porquê aguenta qualquer como”. Camus escreveu que é preciso imaginar Sísifo feliz empurrando a pedra. Essas frases, arrancadas de contexto, viraram slogans motivacionais. Mas e quando não há pedra? Quando o destino não foi escolha? Quando o porquê desapareceu junto com o como? No estado-limite – coma, crises neurológicas, tentativas involuntárias de autoextermínio – não há destino para amar. O sujeito volta do apagão com linguagem, mas sem narrativa. Diz “acordei na geleia, irmão… não tinha nada lá”. Não há pílula azul nem vermelha. Não há Morpheus para telefonar. Há apenas o deserto do real. E o real não vem co...

Despertar sem Morpheus: corpo e código

Despertar sem Morpheus: corpo e código Pode ser o brabo das teorias, o mestre das métricas, o pica do feed. Mas, diante de quem voltou do nada, não é manual nem protocolo: é humano com humano. Neo recebe o telefonema de Morpheus, corre pelo escritório, hesita no andaime. As máquinas estão chegando, os agentes cercam, a saída é arriscada. Ele escuta a voz que diz “vai, confia” e ao mesmo tempo sente o corpo tremer. Parece ficção científica, mas a cena é um retrato brutal da nossa experiência em estados-limite. Pacientes que atravessam coma, crises epilépticas ou tentativas involuntárias de autoextermínio relatam algo semelhante: acordam sem saber onde estão, sem saber se estão vivos ou mortos, sem narrativa para contar. Dizem apenas “acordei na geleia, irmão… não tinha nada lá”. Não é drama, não é “fraqueza”, não é falta de fé. É corpo apagando e voltando sem manual de instruções. Freud chamou de trauma aquilo que excede a capacidade de simbolização. Na infância, isso aconte...

Trauma sem pedra: quando nem a infância nem o adulto têm narrativa

Trauma sem pedra: quando nem a infância nem o adulto têm narrativa Pode ser o brabo das teorias, o mestre das métricas, o pica do feed. Mas, diante de quem voltou do nada, não é manual nem protocolo: é humano com humano. O primeiro trauma, diria Freud, é aquele vivido na infância: acontecimentos que excedem a capacidade de simbolização, ficam como traço, retornam mais tarde como sintoma. Mas há uma nova modalidade de trauma: o estado-limite vivido na vida adulta – coma, tentativa de suicídio, crises neurológicas involuntárias. O corpo apaga, a consciência some, volta dizendo “acordei na geleia, irmão… não tinha nada lá”. Não é tentativa, não é fé perdida, não é “drama”. É o real bruto sem narrativa. Essa experiência é diferente porque encontra um eu já discursivo. A criança não tem linguagem para simbolizar o trauma. O adulto tem linguagem – mas ela falha diante do estado-limite. O resultado é paradoxal: uma espécie de “primeiro trauma” vivido depois de ter adquirido palavr...

Setembro Amarelo na era do feed infinito: entre o mal-estar pós-moderno e a escuta que falta

Setembro Amarelo na era do feed infinito: entre o mal-estar pós-moderno e a escuta que falta Pode ser o pica das técnicas, o bam-bam-bam do pedaço, mas na hora de ouvir outro humano, seja só humano com humano. Todo setembro, fitinhas amarelas se multiplicam em posts, slogans e hashtags. A intenção é legítima: falar de suicídio, quebrar tabu, incentivar prevenção. Mas, como lembraria Bauman, vivemos a pós-modernidade líquida, em que símbolos são frágeis e campanhas viram consumo. A fitinha vira filtro no Instagram, o sofrimento vira dado para o algoritmo. O que deveria ser espaço de escuta vira espetáculo moralizante. Enquanto isso, na vida concreta, existe quem atravessa crises epilépticas e transtornos bipolares, perde dias de memória, volta dizendo “acordei na geleia, irmão… não tinha nada lá”. Não é tentativa de suicídio, não é “falta de fé”, é corpo que se apaga involuntariamente. O DSM-5 e a CID-11 reconhecem condições biológicas que podem levar a comportamentos auto-l...