Suicídio na Era do Algoritmo: Entre o Biológico, o Social e a Máquina
Introdução
O suicídio não é apenas estatística, nem acidente isolado. É sintoma. Sintoma de uma civilização que perdeu o tempo da elaboração e o substituiu pelo tempo do feed. Freud já havia mostrado: sem recalque não há cultura. Hoje, sem tempo não há recalque. A morte aparece, então, como atalho — não como decisão livre, mas como resposta desesperada ao excesso.
O discurso midiático o transforma em slogan (Setembro Amarelo), em dado (OMS, IBGE), ou em espetáculo judicial (TikTok, ChatGPT). Mas, ao escutar por baixo desses discursos, o que emerge não é solução: é a falência da escuta, o colapso dos vínculos, a medicalização banal.
1. Camada Biológica e Psíquica
Damiano lembra em Compreendendo o Suicídio: não há gene que mate sozinho. Há predisposição, mas nunca destino. Freud, em O mal-estar na civilização, ensinou que o sofrimento nasce das tensões entre pulsão e cultura. O suicídio, nesse quadro, é menos escolha do que recusa: a recusa ao trabalho do recalque.
O discurso biomédico oferece marcadores no sangue e no cérebro (VEJA, 2024). Mas o marcador não pensa. O sujeito sim — e só enquanto vive. Fora da vida não há reelaboração, apenas silêncio.
2. Camada Social
Durkheim chamou de “fato social”. Bauman chamaria de liquidez. No Brasil, Pisa e Inaf mostram que a leitura não se retém, a interpretação não se sustenta. Sem tempo para interpretar, não há sujeito para elaborar.
É nesse vácuo que slogans prosperam. Setembro Amarelo vira mantra sem lastro. “Fale sobre isso”, dizem. Mas falar exige tempo de escuta, não feed de dois segundos. O cancelamento, o bullying e o politicamente correto são sintomas desse curto-circuito: sociedade que não suporta contradição.
3. Camada Tecnológica
A máquina não é neutra. O algoritmo não escuta: calcula. O TikTok foi processado na França por empurrar automutilação. A OpenAI, nos EUA, por validar respostas inadequadas a um adolescente em crise.
Aqui, a curtida é silêncio. Curtir é excluir do feed. Não é engajamento, é cancelamento sem estardalhaço. Han fala da “sociedade da transparência”: tudo é visível, nada é alteridade. Zuboff mostra que até o silêncio é dado. Marx diria: consumimos identidades como mercadorias.
A tecnologia não produz dor. Mas captura. Transforma em métrica. Em engajamento. Em commodity.
4. Camada Civilizatória e Filosófica
O suicídio não é apenas pessoal. É o suicídio do Ocidente: civilizações que não acreditam em si mesmas, como mostram ensaios recentes.
Cioran via o suicídio como consolo permanente: viver é suportar sabendo da saída. Brodsky advertia: o Mal não chega vestido de Mal, mas de Bem, de unanimidade. Hoje, unanimidade é algoritmo. A homogeneização dos feeds é a nova tirania.
Kierkegaard lembrou que a angústia é a essência. Bauman e Han mostraram que, sem angústia, resta apenas ansiedade. O excesso não liberta: sufoca.
5. O contexto brasileiro
Aqui, tudo se agrava. O Ministério da Saúde oferece CVV, CAPS, SUS. Mas a estrutura é precária. O Setembro Amarelo abre a boca do tema — mas em setembro apenas. Depois, silêncio.
O Congresso aprovou o ECA Digital. Normativo. Importante. Mas insuficiente. Sem políticas públicas que sustentem educação crítica, redes de cuidado e combate à desigualdade, a lei é só letra morta.
Conclusão
O suicídio não resolve. Porque elimina a única instância capaz de transformar dor em discurso: a vida.
Nas redes, a curtida é silêncio, o engajamento é exclusão, o eu é performance. Campanhas viram calendário, e a prevenção se torna slogan.
Camus dizia: a questão fundamental é se vale a pena viver. Nossa resposta, corrosiva, é esta: só em vida é possível pensar a morte. O verdadeiro suicídio coletivo não é o ato isolado de um indivíduo — mas o da humanidade, ao confundir engajamento com escuta, ter com ser, feed com diálogo.
Notas do Autor (MPI)
Texto elaborado dentro do Protocolo MPI, respeitando as diretrizes do CFP. Não é aconselhamento clínico. É reflexão crítica e corrosiva. Em caso de sofrimento, procure ajuda profissional. No Brasil, o CVV atende 24h pelo 188.
Palavras-chave
Suicídio; Algoritmo; Sociedade Líquida; Angústia; Subjetividade; Setembro Amarelo; Brasil; Psicanálise; Política; Tecnologia.
Link para se aprofundar no tema, mesmo que seja em setembro:
👉🔗http://maispertodaignorancia.blogspot.com/2025/09/arquivo-critico-mpi-suicidio-tecnologia.html
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