A superdotação da dor: quando o saber performa o sofrimento
Fonte original: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/atitude/superdotacao-especialista-explica-diagnostico-de-whindersson-nunes-139839
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O diagnóstico de superdotação de Whindersson Nunes, tratado com a habitual roupagem midiática do “dom” e da “exceção”, revela menos sobre o sujeito em questão e mais sobre o fetiche contemporâneo pela excelência disfuncional. Superdotado não é mais aquele que pensa fora da curva, mas o que continua performando mesmo quando a curva da angústia já desfigurou sua existência. Estamos diante de um novo tipo de capital simbólico: o sofrimento rentável.
Quando a matéria nos informa que Whindersson “sempre teve facilidade em aprender, mas dificuldades em interagir”, o não-dito emerge como um grito mudo: será que a alta capacidade cognitiva compensa o fracasso relacional em uma sociedade que exige empatia como moeda, mas entrega conexão como espetáculo?
A especialização do sofrimento é um fenômeno típico da modernidade líquida. Como diria Bauman, vivemos um tempo em que os vínculos são frágeis, mas a exposição é sólida. A dor, se vendável, é validada. E a genialidade, se convertida em views, é domesticada pelo algoritmo.
Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, descreve o sujeito contemporâneo como exaurido pelo excesso de positividade e autoexploração. Whindersson — gênio, exausto, engraçado — encarna o sujeito que, mesmo à beira do colapso, precisa transformar sua sensibilidade em mercadoria. A superdotação, nesse contexto, é mais um sintoma do que um diagnóstico. A performance do saber torna-se um modo de apagar o sujeito real: aquele que sangra fora do palco.
André Green, ao articular o “narcisismo de morte”, ajuda a entender esse tipo de investimento psíquico onde o eu tenta se aniquilar justamente através do que o constitui: a sua imagem idealizada. Não se trata de dizer que Whindersson mente ou exagera, mas de perceber como o discurso público sobre ele está preso em uma estrutura perversa: quanto mais ele adoece, mais ele gera engajamento — e quanto mais engaja, mais se espera que ele siga adoecendo.
O que a matéria não diz, apesar de parecer completa, é que vivemos um tempo onde a dor só ganha dignidade se vier acompanhada de dom. Caso contrário, ela será tratada como fraqueza ou preguiça. E nesse mercado de subjetividades quebradas, não basta sofrer — é preciso saber vender a própria angústia em alta definição.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
GREEN, André.
Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: Obras Completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
Nota sobre o autor:
José Antônio Lucindo da Silva é psicólogo clínico (CRP 06/172551), pesquisador do projeto “Mais perto da ignorância”. Argumenta na angústia como liberdade.
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superdotação, sofrimento, performance, algoritmo, narcisismo, cansaço, sensibilidade, espetáculo, adoecimento, excelência
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