Transtornos femininos ou sintomas de uma sociedade adoecida?
(https://www.metropoles.com/saude/saude-mental-feminina-5-transtornos)
Vivemos tempos em que a saúde mental feminina parece ser recortada em
categorias de transtornos como se fossem mercadorias diagnósticas expostas numa
vitrine clínica. No artigo do Metrópoles, lemos sobre ansiedade, depressão,
burnout, transtornos alimentares e bipolaridade — todos apresentados como
condições recorrentes entre mulheres, especialmente em contextos de acúmulo de
papéis. Mas será que estamos falando de transtornos propriamente ditos, ou
sintomas de um sistema que patologiza os efeitos de sua própria opressão?
A chamada saúde mental feminina talvez revele mais da saúde do sistema do que
da mulher. Como já sugeria a crítica feminista da psiquiatria, desde o século
passado, há uma tendência de medicalizar respostas legítimas ao sofrimento,
sobretudo quando vêm do feminino. A “mulher ansiosa” pode ser apenas a mulher
que carrega sozinha a sobrecarga invisível; a “depressiva”, aquela que percebe
a falta de sentido num mundo que exige dela sorriso constante. Que tipo de
normalidade é essa que exige da mulher o desempenho perfeito e a doçura
passiva?
Ao listar os principais transtornos, o artigo escorrega no perigo de
descontextualizar a materialidade do sofrimento. Não há menção ao impacto da
desigualdade de gênero, à violência simbólica e concreta, ao acúmulo invisível
de tarefas, ao isolamento relacional ou à pressão estética digital que
aprisiona. Como nos alertaria Fédida, a depressividade não é só ausência de
energia, mas fracasso de inscrição simbólica — e não se resolve com diagnóstico
de farmácia.
Nessa lógica, o discurso da saúde mental feminina vira um novo rótulo
identitário: consome-se a fragilidade como performance, mas recusa-se a escutar
o grito silencioso de um mal-estar civilizatório. O artigo nos dá sintomas, mas
não se pergunta: de que doença coletiva esses sintomas são efeitos?
Leia a matéria completa aqui:
https://www.metropoles.com/saude/saude-mental-feminina-5-transtornos
Notas do Autor: Texto elaborado com base nas reflexões do projeto "Mais
Perto da Ignorância".
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