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Proibir ou punir? Quando a proteção veste a toga do controle

Proibir ou punir? Quando a proteção veste a toga do controle


Austrália quer banir menores de 16 anos das redes sociais, mas decisão pode revelar mais sobre os adultos do que sobre os jovens. O medo é deles — ou nosso?

O governo australiano propôs, nesta semana, o banimento de adolescentes com menos de 16 anos de plataformas como TikTok, Instagram e YouTube. A justificativa: proteger a saúde mental infantojuvenil. Mas será que o silêncio imposto é mesmo cuidado — ou apenas mais um recalque disfarçado de zelo público?


🔹 O fetiche da segurança digital

A proposta surge em meio ao aumento de diagnósticos de ansiedade e depressão entre jovens. Porém, como lembra Zygmunt Bauman, em *O mal-estar da pós-modernidade*, a sociedade contemporânea busca segurança não para enfrentar o risco, mas para evitá-lo a qualquer custo. A liberdade é vigiada, higienizada, proibida de falhar — sob pena de ser culpabilizada por sofrer.


🔹 Recalque legislativo, angústia psíquica

Freud alertou: quando o instinto é suprimido sem elaboração, o sintoma retorna. Banir o adolescente das redes é como impedir o luto: suspende-se a dor, mas também o trabalho psíquico. O virtual é hoje o palco onde o jovem representa, projeta e organiza o que sente. Negar isso é negar a adolescência como processo.


🔹 A geração silenciada pelo algoritmo da moral

A maioria dos adolescentes australianos diz sofrer online, mas poucos desejam sair das redes. Como em Kierkegaard, a angústia não é defeito, mas força ontológica. O problema não é o TikTok — é a ausência de adultos disponíveis no campo simbólico. Ao transformar a experiência digital em zona proibida, o Estado se comporta como pai que pune o grito da criança ao invés de ouvi-lo.


Referências bibliográficas:


·        BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.


·        FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


·        KIERKEGAARD, Søren. O conceito de angústia. Petrópolis: Vozes, 2017.


Nota sobre o autor:

José Antônio Lucindo da Silva é psicólogo clínico (CRP 06/172551), pesquisador do projeto “Mais perto da ignorância”. Argumenta na angústia como liberdade.

#maispertodaignorancia


🔗 Link da informação original:
https://g1.globo.com/saude/saude-mental/noticia/2025/07/31/banir-adolescentes-de-redes-sociais-como-fez-australia-e-eficaz.ghtml

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