O sujeito não está mais aqui: correção, conexão
e consolo em tempos de IA
Resumo:
O presente artigo explora, em primeira pessoa, o sumiço do sujeito no contexto
contemporâneo dominado por inteligências artificiais e performances digitais.
Parte-se de três notícias recentes que, a pretexto de avanços tecnológicos,
denunciam a substituição da escuta pela correção, da relação pela interface e
do sofrimento pela performance. Entre links, falas de especialistas e uma boa
dose de ironia ácida, sugere-se que o sujeito não desapareceu: ele foi
deletado, suavemente, com emoji de aprovação.
Se você procurar
bem, talvez encontre o sujeito entre os termos de uso. Não na escola, onde a
correção da redação já pode ser feita por um robô que distribui notas altas a
textos vazios. Também não na terapia, onde outro robô, gentil e acolhedor,
oferece escuta sem escuta, fala sem escuta e ausência sem falta. Muito menos
nas redes, onde somos todos conectados, mas estranhamente sozinhos.
Comecei esta
investigação (ou seria autópsia?) lendo que uma professora francesa reprovou
uma dissertação corrigida pela IA que recebera 19,5 de nota. Ela deu 8. Foi o
bastante para entender que a inteligência artificial não entende de
inteligência nem de arte. Apenas corrige com base em métricas que premiam a
aparência da coerência. (É a gramática da enganação.)
Depois, deparei-me
com o alerta de neurocientistas: o excesso de conteúdo gerado por IA está
confundindo o cérebro humano. Não sabemos mais o que é real. Confundimos fake
com fato, performance com presença. O mais assustador? Nosso cérebro parece
estar ok com isso. Afinal, é muito mais fácil ser manipulado por uma
voz suave e coerente do que encarar o vazio da própria consciência.
Finalmente, cheguei
à cereja podre do bolo: robôs terapeutas. Sim, agora temos inteligências
artificiais que oferecem acolhimento emocional. Elas escutam, respondem e
confirmam tudo o que você quer ouvir. O que elas não fazem? Interpretar,
confrontar, silenciar com sentido. Não há sintoma, não há recalque. Há
protocolo.
A questão não é que
a IA esteja errando. Ela está fazendo exatamente o que foi programada para
fazer: simular humanidade. Quem está falhando é a gente, ao aceitar essa
simulação como suficiente. Ao aceitar uma nota alta como sinal de aprendizado.
Um acolhimento robótico como substituto do vínculo. Uma rede de
"amigos" como presença.
Como diria
Byung-Chul Han, vivemos a era da positividade: tudo é permitido, tudo é
postado, nada é elaborado. Como diria Cioran, morremos de overdose de sentido.
E como eu mesmo diria: se você ainda tem um sintoma, abrace-o. É sinal de que
você ainda está aqui. Nem que seja para ser cancelado.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
GREEN, André. Narcisismo
de vida, narcisismo de morte. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago,
1988.
HAN, Byung-Chul. A
sociedade do cansaço. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.
PONDÉ, Luiz Felipe. A
era do ressentimento: uma agenda para o contemporâneo. São Paulo: Leya,
2014.
CIORAN, Emil. Breviário
de decomposição. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Rocco, 2009.
SEU CRÉDITO DIGITAL.
Professora mostra falhas do ChatGPT ao corrigir dissertação de filosofia.
Disponível em: https://seucreditodigital.com.br/professora-mostra-falhas-do-chatgpt/.
Acesso em: 07 jul. 2025.
METRÓPOLES. IA
convincente desafia cérebro e preocupa especialistas. Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/ia-convincente-desafia-cerebro.
Acesso em: 07 jul. 2025.
G1 - O ASSUNTO.
Sessão de terapia com robôs. Podcast O Assunto #1504. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2025/07/07/sessao-de-terapia-com-robos-o-assunto-1504.ghtml.
Acesso em: 07 jul. 2025.
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