Avançar para o conteúdo principal

O luto virou problema de comunicação?

O luto virou problema de comunicação?

(https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/07/17/as-6-frases-que-nao-devem-ser-ditas-a-alguem-que-esta-de-luto.ghtml)


É curioso como até a dor precisa seguir protocolos discursivos. A matéria alerta para as “frases que não devem ser ditas” a alguém enlutado, como se a experiência do luto pudesse ser administrada por um manual de boas práticas. Em um tempo em que a empatia se tornou um protocolo automático de linguagem e o silêncio, uma ameaça à performance emocional, até o luto virou um campo de disputa entre o que se deve ou não dizer.


#MaisPertodaIgnorancia

O luto, enquanto experiência radical da finitude, confronta o tempo cronológico e a lógica utilitária. Mas ao que parece, nem mesmo ele escapa da positividade tóxica da contemporaneidade. O enlutado hoje deve ser acolhido, mas dentro do script; deve sofrer, mas de forma elegante e não-incômoda; deve elaborar, mas rápido, funcional, e preferencialmente com legenda.

As frases listadas no texto (“ele está em um lugar melhor”, “pelo menos não sofreu”, “você tem que ser forte”) revelam mais sobre quem as diz do que sobre quem sofre. São tentativas apressadas de reconfigurar a dor alheia dentro da linguagem da conformidade. Como diz Freud, o luto é trabalho. E talvez seja o único espaço ainda legítimo onde a dor pode existir sem precisar de curtidas.

Mas até esse território começa a ser mapeado por um novo tipo de vigilância emocional: o da comunicação correta, do acolhimento assertivo, da escuta empática padronizada. Seria essa pedagogia do cuidado mais uma forma de higienizar o sofrimento e manter intacta a ilusão de controle?

É irônico: enquanto a morte revela nossa impotência última, buscamos enquadrá-la em molduras de boas intenções, como se falar corretamente pudesse salvar o outro daquilo que já é insuportável.

Não é curioso que, quanto mais evitamos o silêncio diante do luto, mais falamos por conveniência? A dúvida talvez não seja sobre o que dizer, mas sobre por que precisamos sempre dizer algo.

Leia a matéria completa aqui:
(https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/07/17/as-6-frases-que-nao-devem-ser-ditas-a-alguem-que-esta-de-luto.ghtml)


Notas do Autor:   


Texto elaborado com base nas reflexões do projeto "Mais Perto da Ignorância".

 

Luto, dor, silêncio, empatia, discurso, protocolo emocional, frases prontas, sofrimento, acolhimento, positividade tóxica, vigilância emocional, escuta empática, morte, finitude, elaboração, sofrimento legítimo, linguagem correta, controle emocional, Freud, trabalho de luto, cultura do desempenho, dor alheia, conforto superficial, comunicação, performance emocional, manual do luto, ilusão de controle, escuta ativa, humanidade, mais perto da ignorância

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade Assista o vídeo em nosso canal no YouTube Introdução A cada dia me questiono mais sobre a relação entre a tecnologia e a construção da identidade. Se antes o trabalho era um elemento fundamental na compreensão da realidade, como Freud argumentava, hoje vejo que esse vínculo está se desfazendo diante da ascensão da inteligência artificial e das redes discursivas. A materialidade da experiência é gradualmente substituída por discursos digitais, onde a identidade do sujeito se molda a partir de impulsos momentâneos amplificados por algoritmos. Bauman (1991), ao analisar a modernidade e o Holocausto, mostrou como a racionalidade técnica foi usada para organizar processos de exclusão em grande escala. Hoje, percebo que essa exclusão não ocorre mais por burocracias formais, mas pela lógica de filtragem algorítmica, que seleciona quem merece existir dentro da esfera pública digita...

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

ANÁLISE DOS FILMES "MATRIX" SOB A PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA

ANÁLISE DOS FILMES "MATRIX" SOB A PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA Resumo Este artigo apresenta uma análise dos filmes da série "Matrix" à luz da psicologia contemporânea, explorando temas como identidade, realidade e a influência da tecnologia na experiência humana. Através de uma abordagem teórica fundamentada em conceitos psicológicos, busca-se compreender como a narrativa cinematográfica reflete e dialoga com questões existenciais e comportamentais da sociedade atual. Palavras-chave: Matrix, psicologia contemporânea, identidade, realidade, tecnologia. 1. Introdução A trilogia "Matrix", iniciada em 1999 pelas irmãs Wachowski, revolucionou o cinema de ficção científica ao abordar questões profundas sobre a natureza da realidade e da identidade humana. Como psicólogo, percebo que esses filmes oferecem um rico material para reflexão sobre temas centrais da psicologia contemporânea, especialmente no que tange à construção do self e à infl...