Indústria, comércio e capital em tempos de IA generativa: inteligência artificial, burrice coletiva
Os incidentes com IA generativa cresceram quase dez vezes no Brasil em apenas um ano, mas a maior parte das empresas industriais e comerciais ainda a utiliza de forma tímida e, muitas vezes, sem qualquer governança séria.
Enquanto o Senado corre para aprovar um PL que ninguém leu inteiro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reclama que a lei pode “atrapalhar a inovação” — o que, no dialeto de Brasília, significa: atrapalhar o lucro. Entre o marketing das big techs, a pressa das startups e o silêncio constrangido das fábricas que já vazaram dados, o País parece ter terceirizado a dúvida para a própria máquina.
1 | Retrato de um choque algorítmico
Relatório da Unit 42 revela salto de 890 % no tráfego ligado a GenAI e mais que o dobro de incidentes de perda de dados em 2024-25.
2 | Indústria: “tenho IA, logo existo”
Segundo a pesquisa anual do FGVcia, 80 % das empresas brasileiras dizem “ter IA” — embora só 25 % a utilizem de modo intensivo. Nas linhas de produção, robôs visionários disputam espaço com máquinas de 30 anos, enquanto gerentes comemoram relatórios de “inovação” que cabem em três slides.
Ao mesmo tempo, a CNI aponta que 66 % dos projetos de lei em tramitação afetam diretamente a competitividade industrial. Em tradução livre: se a lei exigir responsabilidade, a curva de adoção pode cair.
3 | Comércio e capital: o hype que vende
No varejo, modelos generativos já produzem descrições de produto, banners e, ocasionalmente, erros grotescos que acabam virando meme e… aumentando o engajamento.
Para os investidores de São Paulo, a IA é “o novo petróleo”, mas com refino terceirizado na nuvem. Quando a margem aperta, corta-se treinamento de equipe, não o modelo linguístico que assina newsletter com emoji.
4 | Cibersegurança: gato de Schrödinger corporativo
Especialistas alertam que a mesma IA que bloqueia ransomware turbina ataques automatizados. A lógica é simples: quem defende e ataca compra ferramentas no mesmo marketplace. A conta fecha para o criminoso, não para a vítima.
5 | Governança: atropelo legislativo em pista escorregadia
O Senado aprovou, em dezembro de 2024, o projeto que regula IA e enviou à Câmara a batata quente da implementação. Enquanto isso, a própria indústria acusa o texto de bloquear a inovação. Num país em que o PIB industrial subiu apenas 2,4 % no último trimestre, qualquer obrigação extra vira “ameaça à competitividade”.
6 | Democracia em deepfake slow motion
O UOL-Confere lembra que, apesar do pânico moral, as eleições de 2024 viram menos deepfakes do que se previa, mas as mulheres foram alvo preferencial de manipulações. A política respira aliviada; o marketing aprende o truque para 2026.
Conclusão:
Nossa indústria corre para instalar IA nas planilhas, mas anda a passo de tartaruga quando o assunto é ética e segurança.
O comércio surfa no hype porque cada bug viral equivale a novos “cliques de curiosidade”. E o capital financeiro, como sempre, monetiza o risco antes de entendê-lo. No fundo, a IA não está nos enganando — ela só aprendeu conosco como se faz isso.
Referências:
TERRA. Incidentes relacionados ao uso de IA generativa crescem no Brasil. 21 jul. 2025. Disponível em: <https://www.terra.com.br/>. Acesso em: 22 jul. 2025.
TI INSIDE. Palo Alto Networks alerta para alta nos incidentes de segurança ligados ao uso de GenAI. 11 jul. 2025.
FGVCIA. Pesquisa Anual de TI nas Empresas Brasileiras – 2024. São Paulo: FGV, 2024.
UOL Economia. IA está em 80% das empresas brasileiras, mas é pouco usada. 27 jun. 2025.
CNI. Agenda Legislativa da Indústria 2025. Brasília: Confederação Nacional da Indústria, 2025.
SENADO FEDERAL. Senado aprova regulamentação da inteligência artificial; texto vai à Câmara. 10 dez. 2024.
PORTAL DA INDÚSTRIA. PL da Inteligência Artificial prejudica desenvolvimento da tecnologia no Brasil. 2024.
IBGE. PIB cresce 1,4 % no primeiro trimestre de 2025. Agência IBGE, 10 jun. 2025.
UOL Confere. Deepfake já foi usada em eleições pelo mundo. 3 mar. 2024.
EXAME. IA na defesa e no ataque: a nova ordem da cibersegurança segundo a CrowdStrike. 2025.
Nota sobre o autor:
José Antônio Lucindo da Silva é psicólogo clínico (CRP 06/172551), pesquisador do projeto “Mais perto da ignorância”. Argumenta na angústia como liberdade. #maispertodaignorancia
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