Avançar para o conteúdo principal

Flexível: Liberdade ou Autoexploração?

 A Geração do Cansaço Flexível: Liberdade ou Autoexploração?



(https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/07/7211952-geracao-z-desafia-modelo-tradicional-de-direitos-trabalhistas.html)

Há algo de profundamente irônico na rebeldia trabalhista da Geração Z. Enquanto desafia o modelo tradicional da CLT, ela não reivindica menos trabalho — ela quer mais propósito, mais flexibilidade, mais reconhecimento. Mas o que parece ser uma revolução libertadora pode, na verdade, ser um aprofundamento da prisão. Só que agora com luzes de LED, café gourmet e wi-fi rápido.

Segundo o artigo publicado pelo Correio Braziliense, essa geração não quer seguir as regras da velha ordem trabalhista. Prefere ser PJ, nômade digital, freelancer — mas o que está em jogo não é apenas a forma contratual, é uma recusa em ser comandado. Só que, como alerta Byung-Chul Han em Sociedade do Cansaço, o sujeito contemporâneo não é mais coagido por um patrão externo: ele mesmo se explora, acreditando que é livre justamente porque não há ninguém mandando. O “Yes, we can” virou “Sim, eu me cobro”.

A CLT, com todos os seus limites, ainda representava um pacto coletivo. Já a nova lógica é individualizante. Como aponta Han, vivemos numa “sociedade de desempenho” onde o sujeito é, ao mesmo tempo, explorador e explorado — agindo por desejo, mas adoecendo por excesso. O burnout e a ansiedade já não são efeitos colaterais, mas sintomas estruturais.

Se antes o sofrimento vinha da coerção externa, hoje ele nasce do excesso de positividade, da obrigação de estar sempre disponível, produtivo e pleno. A geração Z pode estar rejeitando a CLT porque ela não quer mais “trabalhar para o outro”. Mas será que sabe o que significa trabalhar para si? E mais: será que trabalhar para si não é justamente a armadilha mais eficiente do capital?

Ao afirmar que a liberdade está na flexibilidade e no propósito, esse novo sujeito do mercado escorrega numa armadilha bem armada. Ele é livre, sim — mas para escolher qual aplicativo o monitorará enquanto ele finge não estar trabalhando.

Se a geração anterior vivia sob o jugo da fábrica, essa vive sob o jugo do feed. Sai o relógio de ponto, entra o engajamento. Sai o sindicato, entra o LinkedIn motivacional. Sai o direito coletivo, entra a autogestão do sofrimento.

A geração Z talvez não esteja desafiando o modelo tradicional de trabalho. Talvez esteja apenas inaugurando uma nova fase da mesma lógica: agora, menos protegida, mais performativa e — paradoxalmente — mais escravizante.

Leia a matéria completa aqui:

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/07/7211952-geracao-z-desafia-modelo-tradicional-de-direitos-trabalhistas.html


Notas do Autor:

Texto elaborado com base nas reflexões do projeto “Mais Perto da Ignorância”, com contribuição da obra *Sociedade do Cansaço*, de Byung-Chul Han.


Nota sobre o autor:

José Antônio Lucindo da Silva é psicólogo clínico (CRP 06/172551), pesquisador do projeto “Mais Perto da Ignorância”. Argumenta na angústia como liberdade.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade Assista o vídeo em nosso canal no YouTube Introdução A cada dia me questiono mais sobre a relação entre a tecnologia e a construção da identidade. Se antes o trabalho era um elemento fundamental na compreensão da realidade, como Freud argumentava, hoje vejo que esse vínculo está se desfazendo diante da ascensão da inteligência artificial e das redes discursivas. A materialidade da experiência é gradualmente substituída por discursos digitais, onde a identidade do sujeito se molda a partir de impulsos momentâneos amplificados por algoritmos. Bauman (1991), ao analisar a modernidade e o Holocausto, mostrou como a racionalidade técnica foi usada para organizar processos de exclusão em grande escala. Hoje, percebo que essa exclusão não ocorre mais por burocracias formais, mas pela lógica de filtragem algorítmica, que seleciona quem merece existir dentro da esfera pública digita...

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

ANÁLISE DOS FILMES "MATRIX" SOB A PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA

ANÁLISE DOS FILMES "MATRIX" SOB A PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA Resumo Este artigo apresenta uma análise dos filmes da série "Matrix" à luz da psicologia contemporânea, explorando temas como identidade, realidade e a influência da tecnologia na experiência humana. Através de uma abordagem teórica fundamentada em conceitos psicológicos, busca-se compreender como a narrativa cinematográfica reflete e dialoga com questões existenciais e comportamentais da sociedade atual. Palavras-chave: Matrix, psicologia contemporânea, identidade, realidade, tecnologia. 1. Introdução A trilogia "Matrix", iniciada em 1999 pelas irmãs Wachowski, revolucionou o cinema de ficção científica ao abordar questões profundas sobre a natureza da realidade e da identidade humana. Como psicólogo, percebo que esses filmes oferecem um rico material para reflexão sobre temas centrais da psicologia contemporânea, especialmente no que tange à construção do self e à infl...