ENTRE O DISCURSO LÍQUIDO E A MATÉRIA ESCASSA:
Uma análise psicobiossocial do Estado brasileiro
na era do capitalismo de vigilância
Autor: José Antônio
Lucindo da Silva
#maispertodaignorancia
Orientador: Emil
Cioran (in memoriam) – autor de Breviário de Decomposição
Coorientadores:
Shoshana Zuboff; Cathy O’Neil
Araraquara – SP 2025
FOLHA DE ROSTO
José Antônio Lucindo
da Silva.
ENTRE O DISCURSO LÍQUIDO
E A MATÉRIA ESCASSA: uma análise psicobiossocial do Estado brasileiro na era do
capitalismo de vigilância. 2025. 42 f. Trabalho de Conclusão de Curso (não como
o elaborado) – Universidade “Mais Perto da Ignorância”, Araraquara, 2025.
RESUMO
Este trabalho
investiga como a escassez material — expressa em déficit fiscal, precarização
de serviços públicos e endividamento familiar — convive com a aparente
infinitude dos dados pessoais extraídos pelo capitalismo de vigilância.
Articula‑se uma abordagem psicobiossocial: Karl Marx (fetichismo da
mercadoria), Zygmunt Bauman (modernidade líquida) e Shoshana Zuboff (extração
comportamental) dialogam com a psicanálise de Freud, Lacan, Roudinesco e com a
crítica dos algoritmos de Cathy O’Neil. Dados oficiais (PISA 2022, PNAD, FBSP,
Aneel) revelam deterioração de educação, saúde e segurança, acompanhada de
impostos regressivos. Conclui‑se que o sujeito brasileiro sofre dupla extração:
paga pela matéria finita (energia, alimento) e pelo insumo infinito (atenção),
reacendendo ressentimentos de classe mediados por algoritmos opacos.
Palavras‑chave:
Capitalismo de vigilância. Escassez. Psicanálise social. Déficit fiscal.
Algoritmos.
ABSTRACT
This study examines
how material scarcity — chronic fiscal deficits, degraded public services and
household over‑indebtedness — coexists with the seemingly infinite extraction
of personal data by surveillance capitalism. Using a psychobiosocial lens, the
analysis interweaves Karl Marx’s commodity fetishism,
Zygmunt Bauman’s liquid modernity and Shoshana Zuboff’s behavioural
extraction with psychoanalytic insights from Freud, Lacan and Roudinesco, plus
Cathy O’Neil’s critique of destructive algorithms. Official datasets
(PISA 2022, PNAD, FBSP, Aneel) suggest that worsening education, health and
security accompany rising regressive taxation. The Brazilian subject thus
endures double extraction: paying for finite matter (energy, food) and infinite
matter (attention), rekindling class resentment through opaque algorithms.
Keywords:
Surveillance capitalism. Scarcity. Social psychoanalysis. Fiscal deficit.
Algorithms.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
....................................................................................
10 2
REFERENCIAL TEÓRICO
.................................................................. 12
2.1 Escassez
econômica (Sowell)
..................................................... 12 2.2
Modernidade líquida
(Bauman)
................................................. 13 2.3
Capitalismo de vigilância (Zuboff)
.............................................
14 2.4 Algoritmos opacos (O’Neil)
.......................................................
15 2.5 Psicanálise do sujeito digital (Freud, Lacan, Roudinesco)
........ 16 3 METODOLOGIA
..................................................................................
17 4 DIAGNÓSTICO EMPÍRICO
...............................................................
18 4.1 Educação
..................................................................................
18 4.2 Saúde e seguridade
...................................................................
20 4.3 Segurança pública
....................................................................
22 4.4 Endividamento & energia
.........................................................
24 4.5 Confiança democrática
............................................................
26 5 DISCUSSÃO
........................................................................................
28 6 CONCLUSÕES
...................................................................................
34 REFERÊNCIAS
.....................................................................................
36
1 INTRODUÇÃO
“Se a mercadoria
dita o pensamento e o algoritmo dita a mercadoria, resta‑nos pagar ingresso
para um espetáculo em que somos, simultaneamente, plateia e produto.” A
epígrafe guia este trabalho. O Estado brasileiro tributa cerca de 32 % do PIB,
mas nossos indicadores de educação, saúde e segurança lembram países de renda
média‑baixa. Concomitantemente, plataformas digitais extraem dados pessoais
como matéria‑prima aparentemente inesgotável. Por que a retórica de inclusão
tecnológica coexiste com filas previdenciárias, feminicídios recorde e tarifa
elétrica regressiva? Esta pesquisa psicobiossocial procura a resposta.
2 REFERENCIAL
TEÓRICO
2.1 Escassez
econômica Thomas Sowell argumenta que ignorar a escassez resulta em políticas
inflacionárias e racionamento. No Brasil, a conta de luz carrega tributos que
financiam subsídios cruzados, mascarando o preço real dos recursos finitos.
2.2 Modernidade
líquida Bauman descreve vínculos fluidos e instituições frágeis. O resultado é
insegurança existencial: serviços essenciais falham, e o consumo parcelado vira
padrão identitário.
2.3 Capitalismo de
vigilância Zuboff identifica uma nova lógica de acumulação: captar
comportamentos, prever ações, vender predições. Trata‑se de extração sem
contrapartida de escassez — o dado parece infinito; o impacto social, não.
2.4 Algoritmos
opacos Cathy O’Neil alerta que modelos matemáticos replicam desigualdade.
Scores de crédito, policiamento preditivo e triagem de benefícios penalizam
justamente quem carece de alfabetização digital.
2.5 Psicanálise do
sujeito digital Freud localiza o mal‑estar na tensão pulsional; Lacan, na
fissura entre Simbólico e Real. Roudinesco vê um “eu soberano” on‑line em
eterna busca de validação, agravando ansiedade e ressentimento quando a
materialidade nega esse gozo.
3 METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica e análise documental. Dados secundários: IBGE, Bacen,
Aneel, FBSP, OECD (PISA), FAO. Hermenêutica crítica relaciona números a
categorias psicanalíticas e sociológicas.
4 DIAGNÓSTICO
EMPÍRICO
4.1 Educação
PISA 2022: 65.º em matemática, 52.º em leitura. Gasto direto de R$ 110 bi/ano
não impede evasão de 5,9 % no ensino médio. A alfabetização digital básica
atinge apenas 30 % dos brasileiros.
4.2 Saúde e
seguridade Fila do INSS: ~4 mi de pedidos; espera média 280 dias. O déficit
previdenciário consome 4,7 % do PIB. A mortalidade evitável cresceu 7 % pós‑pandemia.
4.3 Segurança
pública Feminicídios: 1 463 em 2023; latrocínios: 1 595. 74 % do orçamento de
segurança cobre folha e aposentadorias; sobra pouco para prevenção.
4.4 Endividamento
& energia 78 % das famílias endividadas; juros de cartão 437 % a.a. Tarifa
residencial média US$ 0,17/kWh — uma das maiores entre emergentes, com 31 % de
impostos.
4.5 Confiança
democrática Aprovação presidencial: 28 %; reprovação: 40 %. Preferência pelo
regime democrático caiu de 79 % (2022) para 69 % (2024).
5 DISCUSSÃO A
escassez material (energia, renda, serviço público) combina‑se à extração
infinita de dados. Pagamos duas vezes: em reais (impostos, tarifas) e em
atenção (dados vendidos). O Estado transfere custos via Selic e tributos
regressivos, enquanto plataformas lucram com ansiedade gerada pelo próprio
déficit social. Ressentimentos de classe ressurgem pixelados: hashtags contra
“taxa das blusinhas” substituem greves; algorítmicos definem quem recebe
crédito ou polícia.
6 CONCLUSÕES A
promessa de modernidade inclusiva esbarra em limites concretos. Superar o
impasse requer: (1) transparência algorítmica; (2) reforma tributária
progressiva; (3) alfabetização digital crítica; (4) controle social sobre
subsídios energéticos. Caso contrário, continuaremos girando na roda líquida:
escassez tangível e abundância ilusória de engajamento.
REFERÊNCIAS
ANEEL. Nota Técnica
187/2024 – Orçamento da CDE 2025. 2024. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.
FÓRUM BRASILEIRO DE
SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário 2024. FREUD, S. O mal‑estar na civilização. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
IBGE. PNAD Contínua:
Endividamento das Famílias. 2024. INSS. Boletim Estatístico de Benefícios.
2025.
LACAN, J. Escritos.
Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
MARX, K. O Capital.
São Paulo: Boitempo, 2013.
O’NEIL, C. Weapons
of Math Destruction. New York: Crown, 2016. OECD.
PISA 2022 Country
Note: Brazil. Paris, 2023. SOWELL, T. Basic Economics.
New York: Basic
Books, 2012. TWENGE, J. iGen. New York: Atria, 2017. ZUBOFF,
S. The Age of
Surveillance Capitalism. New York: PublicAffairs, 2019.
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