Avançar para o conteúdo principal

QUANDO EDUCAR ADOECE: AUTÓPSIA BIOPSICOSSOCIAL DO OFÍCIO IMPOSSÍVEL NA SOCIEDADE DO DESEMPENHO


Resumo-provocação

Assumo logo: estou prestes a fracassar – e é exatamente por isso que me lanço a este ensaio. Freud avisou que educar é um ofício impossível; hoje, a estatística de 122 % de aumento nos afastamentos por transtornos mentais em Limeira apenas coloca números naquilo que já era sintoma – a educação brasileira virou um epicentro clínico do mal-estar civilizatório. A seguir, opero um exame biopsicossocial: da biologia do burnout ao psiquismo esmagado pela sociedade do desempenho, passando pela materialidade salarial que desacredita o saber. Entre gráficos de ignorância funcional e dashboards de habilidades digitais, mostro como o adoecimento docente não é desvio local, mas eixo estrutural de um sistema que converte desejo em demanda e liquida o próprio futuro.


1 | Introdução: entre a lousa e o laudo

Quando Freud listou “educar, governar e psicanalisar” como as três profissões impossíveis, ele apontou para o fracasso como componente intrínseco do ato pedagógico . Em 2025, o fracasso ganhou CID, testado e aprovado em Limeira, onde as licenças por sofrimento psíquico saltaram de 351 (2021) para 782 (2024) – alta de 122 % . Não é um caso isolado: pesquisas nacionais já mapeiam ansiedade, depressão e desesperança como distúrbios-padrão da categoria .


2 | Freud revisto: o impossível como metodologia

Educar fracassa porque lida com o desejo do outro em formação, território em que nenhum protocolo pedagógico dá conta . Quando o sistema troca desejo por meta de desempenho, instala-se a contradição central: exige-se o impossível e, diante do inevitável tropeço, patologiza-se o tropeçante.


3 | O corpo adoece, a sala esvazia, a ignorância cresce

Adoecimento docente rima com alfabetismo precário. 29 % dos brasileiros de 15-64 anos são analfabetos funcionais ; simultaneamente, apenas uma fração domina habilidades digitais avançadas, segundo a TIC Domicílios 2024 . Cada professor afastado abre espaço para rotatividade, perda de vínculo simbólico e reforço do ciclo da ignorância.


4 | Sociedade do cansaço e clínica do desempenho

Byung-Chul Han descreve o sujeito neoliberal como atleta de si mesmo destinado ao colapso neurótico do burnout . Na educação, esse atleta veste crachá de “multiprofissional”: ensina, acolhe, entretém, preenche planilhas. A hiperconexão do ensino remoto só potencializou o dano existencial do professor-on-line-24h .


5 | Biopsicossocial em movimento

  • Bio – Hormônios de estresse crônicos elevam riscos cardiovasculares e depressivos, já reconhecidos em laudos docentes .
  • Psico – Entre a idealização heroica e a culpa por falhar, instala-se a lógica depressiva que Freud anteviu e Han atualizou.
  • Social – Salários 15 % menores que outras formações de nível superior, piso litigioso e retorno financeiro em queda desestimulam qualquer investimento simbólico em saber .

6 | Discussão: o sistema que lambe a própria ferida

Enquanto autoridades celebram tablets em sala, a UNESCO prega um “contrato social” que recoloque o humano no centro da escola – voz que ecoa no deserto do dashboard . A engrenagem prefere contabilizar engajamento do que conceder tempo de elaboração, condição mínima para que o trauma se torne palavra, não atestado.


7 | Conclusão – elogio do fracasso estrutural

Reconhecer a impossibilidade não é convite à desistência, mas ponto de partida ético: recusar o fetiche da performance, reintegrar o desejo e redimensionar o papel social do professor. Se não o fizermos, a estatística de Limeira será mero spoiler do que vem aí em escala nacional: salas vazias de mestres, mentes vazias de sentido e mercados cheios de placebos motivacionais.

Se você insiste em flutuar no raso, agarre-se à boia material. Eu, aqui, escolho mergulhar no impossível. #maispertodaignorancia


Referências:

  1. PEPSIC. Os ofícios impossíveis e o chamado do real. Revista Estudos de Psicanálise, 2018. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  2. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO – CNTE. Professores/as possuem maior predisposição ao aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, 2023. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  3. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO – CNTE. Ansiedade, depressão e desesperança estão entre os distúrbios que mais acometem os professores, 2022. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  4. INSTITUTO PAULO MONTANER/ Ação Educativa. Indicador de Alfabetismo Funcional – INAF 2024. São Paulo, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  5. FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL. Analfabetismo funcional atinge 29 % dos brasileiros, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  6. CGI.br. TIC Domicílios 2024 – Livro eletrônico. São Paulo: Cetic.br, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  7. CGI.br. TIC Domicílios 2024 – Principais resultados. São Paulo: Cetic.br, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  8. UNESCO. Relatório GEM 2024/25 – Educação e contrato social. Paris: Unesco, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  9. INEP. Pesquisa discute piso salarial docente e custos médios do Fundeb, 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  10. IPEA. Retorno salarial de jovens com ensino médio completo oscila de 11 % a 20 %, 2022. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  11. PEB-SP. Piso salarial dos professores pode ter reajuste de cerca de 15 % em 2025, 2024. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.
  12. HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017. (Resenha em SciELO).
  13. HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Trad. E. P. Santos. Petrópolis: Vozes, 2015. (Trechos analisados em SciELO).
  14. SIQUEIRA, C. H. R. Hiperconexão docente e dano existencial no ensino remoto emergencial. Educação & Pesquisa, 2023. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025. 
  15. RÁDIO FREQUÊNCIA MIX. Educação de Limeira registra aumento de 122 % nos casos de afastamento por saúde mental, 16 jun. 2025. Disponível em: [link suprimido]. Acesso em: 17 jun. 2025.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo Introdução: A Farsa da Liberdade na Sociedade Digital Ah, que tempos maravilhosos para se viver! Nunca estivemos tão livres, tão plenos, tão donos do nosso próprio destino – pelo menos é o que os gurus da autoajuda e os coachs do Instagram querem nos fazer acreditar. Afinal, estamos todos aqui, brilhando no feed infinito, consumindo discursos pré-moldados e vendendo nossas identidades digitais como se fossem produtos de supermercado. E o melhor de tudo? A ilusão da escolha. Podemos ser quem quisermos, desde que esse "eu" seja comercializável, engajável e rentável para os algoritmos que regem essa bela distopia do século XXI. Se Freud estivesse vivo, talvez revisitasse O Mal-Estar na Civilização (1930) e reescrevesse tudo, atualizando sua teoria do recalque para algo mais... contemporâneo. Afinal, hoje não reprimimos nada – muito pelo contrário. Estamos todos em um estado de hiperexpressão, gritando par...