O Sempre é Feito do Agora (Ou Quase)
José Antônio Lucindo da Silva – #maispertodaignorancia
23/06/2025
— Tava eu, num desses colapsos matinais de lucidez duvidosa, em conversa com meu alter ego, o sempre irônico, sempre cético, sempre Silvan.
Soltei, como quem acha que descobriu o fogo em plena era dos algoritmos:
— "O sempre é feito do agora."
Silvan levantou uma sobrancelha. Aquela arqueada que só quem leu Breviário da Decomposição e sobreviveu ao cinismo de Cioran é capaz de executar com maestria.
— "E quando foi diferente?", ele respondeu, seco como Nietzsche num dia ruim.
Tentei rebater, com aquele entusiasmo vazio de quem quer vencer o diálogo só para evitar a própria dúvida:
— "Mas é uma frase bonita..."
Silvan sorriu. Sabe aquele sorriso torto, meio Becker, meio Lacan, todo desespero travestido de sarcasmo? Pois é.
— "Só que a verdade, meu caro, está no que foi vivido. E apenas no que foi vivido. Se você quiser mesmo saber algo sobre o futuro, vai ter que olhar pra trás."
Silêncio. Um silêncio que reverberou como angústia reprimida.
E então ele lançou a pergunta que me atravessou como um espinho do real:
— "De quanto sempre estamos falando agora?"
Eu, claro, não soube responder. Mas pensei. E esse pensar já me entregou à armadilha. Porque me dei conta de que, paradoxalmente, este agora — este diálogo — pode até virar sempre, mas apenas se for vivido.
O problema é: que presente pode se tornar eterno se não há experiência material?
O que pode ser futuro se tudo que temos é um agora discursivo, flutuando na superfície digital como se isso fosse vida?
Silvan apenas balançou a cabeça, num gesto meio paternal, meio trágico, como quem já viu esse abismo antes.
— "Cuidado, maluco... As profundezas de onde vêm essas perguntas não levam a lugar algum. Só ao desespero. E à angústia. E, se der sorte, à lucidez que não se vende em e-book."
Referenciais:
• Cioran, com sua recusa em conceder sentido à existência, é a base do Silvan — a corrosão poética em carne discursiva.
• Ernst Becker, quando fala que o eu é uma mentira que inventamos para não encarar a morte, está na entrelinha do “só o vivido é verdade”.
• Lacan, ao lembrar que o sujeito está no intervalo entre o significante e o real, habita essa incerteza do "quando esse agora vira sempre".
• Byung-Chul Han, ao dizer que tudo virou funcionalidade e que o agora virou uma performance, é o pano de fundo onde o diálogo se inscreve.
• Kierkegaard, claro, sussurra pela fresta: "A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente." Silvan só traduziu.
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