Entre átomos e abismos: um olhar reflexivo sobre a guerra à luz de Einstein e Freud
José Antônio Lucindo da Silva
#maispertoignorancia
20/06/2025
Introdução
Escrevo em primeira pessoa, não para oferecer respostas definitivas, mas para tensionar a convivência incômoda entre a bomba que fulmina corpos e a pulsão que, segundo Freud, torna essa bomba psicologicamente “razoável”. Coloco-me, portanto, no interstício: sou ao mesmo tempo espectador de gráficos balísticos em 4K e herdeiro de duas vozes do século XX — Albert Einstein e Sigmund Freud — que, em 1932, trocaram cartas sobre o fantasma da guerra. Revisitar esse diálogo, agora em meio a drones autônomos e hashtags inflamáveis, ajuda-me a perceber que a barbárie é simultaneamente um escândalo físico e uma rotina psíquica.
1 · O escândalo termodinâmico segundo Einstein
Einstein via a guerra como um desperdício ontológico: transformar matéria em energia explosiva quando poderíamos transformá-la em luz e conforto humano. Ao propor uma autoridade supranacional que confiscasse gatilhos nacionais (EINSTEIN; FREUD, 1933), ele sublinhou a irracionalidade energética do conflito. Hoje, quando um míssil hipersônico cruza continentes em minutos, continuo assombrado pela mesma ironia: quanto mais dominamos as forças da natureza, mais parecemos dispostos a aplicá-las contra a própria espécie.
2 · A naturalidade pulsional segundo Freud
Freud, por sua vez, recorda-me que aquilo que o físico julga absurdo é, na economia do inconsciente, profundamente coerente. O instinto de morte (Thanatos) busca descarga; quando contido pela cultura, escapa em surtos de violência coletiva (FREUD, 1930). Essa chave psicanalítica adverte: não basta redesenhar tratados ou inventar “guardiões planetários” se não reconhecermos o ódio como peça estrutural do psiquismo. A guerra, então, revela-se “natural” não porque obedeça às leis físicas, mas porque satisfaz imperativos psíquicos reprimidos.
3 · Curto-circuito entre cosmos e inconsciente
Ao confrontar ambas as perspectivas, percebo um curto-circuito:
• Escala — para a astrofísica, uma explosão nuclear é mínima face à morte de uma estrela; para a psicanálise, um projétil é suficiente para reencenar traumas ancestrais.
• Motivação — a física explica como detonar; a psique explica por que insistimos.
Vivo, portanto, numa civilização capaz de medir a idade do universo, mas incapaz de demover um adolescente de apertar um gatilho em nome de um “nós” que talvez ele mal compreenda.
4 · Identidade, inimigo e espelho rachado
Nos conflitos atuais — especialmente o israelense-palestino —, a identidade torna-se dependente do inimigo. Sem o olhar hostil, o “povo-promessa” vacila; sem o ocupante, o projeto nacional palestino esfarela. O inimigo funciona como espelho onde cada lado confirma sua própria existência. Tal dinâmica ecoa a “costura imaginária” lacaniana e reforça a tese de Chris Hedges (2020) de que a guerra fornece significado quando outros vínculos falham.
5 · Algoritmos, transparência e a guerra como espetáculo:
Byung-Chul Han (2017) descreve a sociedade da transparência em que cada morte exige um story. A barbárie circula em tempo real, convertendo indignação em cliques. Paradoxalmente, essa visibilidade não impede massacres: ela apenas produz um mercado afetivo onde a dor vira commodity. Assim, a eficiência tecnológica denunciada por Douglas Murray (2023) — matar com precisão cirúrgica — é acompanhada por uma eficiência simbólica: multiplicar ressentimentos que nem o Iron Dome intercepta.
Conclusão provisória:
Se Einstein propõe instituições mundiais e Freud exige reconhecer nosso demônio interno, fico entre o átomo e o abismo. Talvez o primeiro passo seja admitir a ironia central: a guerra é fisicamente inútil e psicologicamente funcional. Enquanto não desmontarmos o fetiche do inimigo e não criarmos formas de canalizar Thanatos sem pulverizar corpos, permaneceremos os mesmos primatas sofisticados que conversam sobre paz com uma mão e lapidam ogivas com a outra.
Não encerro com juízo de valor; apenas registro minha perplexidade — porque, se depender apenas da entropia, o universo seguirá indiferente, e, se depender só da psique, Thanatos encontrará sempre um novo disfarce.
Referências:
BYUNG-CHUL HAN. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
EINSTEIN, Albert; FREUD, Sigmund. Por que a guerra? Tradução Paulo Cezar de Souza. São Paulo: Boitempo, 2010.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução Paulo Cezar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HEDGES, Chris. A guerra é uma força que nos dá significado. Rio de Janeiro: Companhia de Bolso, 2020.
MURRAY, Douglas. A guerra contra o Ocidente. São Paulo: Record, 2023.
UNICEF. Children killed while retrieving food in Gaza: press release. Nova York, 2024.
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