Antes de mais nada, dois rótulos na prateleira
Burn-out – síndrome reconhecida pela OMS como resultado de “estresse ocupacional crônico não administrado”, marcada por exaustão, cinismo e queda de eficácia.
Bore-out – tédio patológico: subcarga mental, tarefas vazias, sensação de inutilidade crônica que gera os mesmos sintomas físicos do excesso, só que embalados em vazio.
(Se o primeiro é incêndio, o segundo é inanição. Ambos queimam.)
“Entre o fogo que consome e a brasa que não aquece”
Eu chego na segunda-feira como quem assina ponto num velório. Tenho a escrivaninha, a senha do e-mail e o sorriso padrão ISO-9001, mas por dentro alterno dois modos de falência:
1. Modo churrasqueiro de mim mesmo – ligo a grelha do desempenho, deixo a carne psíquica estalar, conto calorias de KPI. Quando percebo, só restam os ossos do que um dia foi entusiasmo.
2. Modo geladeira vazia – abro a porta do expediente e não há nada para mastigar além de planilhas que se autoatualizam. É o silêncio do frigorífico corporativo: acende a luz, mas ninguém mora lá dentro.
Freud diria que faltou conflito real para sublimar a pulsão; sobrou impulso batendo na parede acolchoada do open-office. Bauman ironizaria que a pós-modernidade já nasceu com vazamento na alma — trabalhamos não para produzir, e sim para consumir o próprio rastro digital de que “estamos ocupados”. Byung-Chul Han apenas assinaria o laudo: sociedade do cansaço, patentearam a fadiga e revenderam como “propósito”. Cioran gargalha: até para morrer de tédio a gente precisa preencher formulário.
No feed, a dicotomia vira meme: um coach posta “TRABALHE ENQUANTO ELES DORMEM” às 5 h; outro, às 17 h, vende “VIVA O ÓCIO, VOCÊ MERECE”. Eu curto os dois por inércia — e continuo exausto por excesso de nada.
A semana corre num relógio bipolar: na terça já fabrico a piada “#Sextou” e na sexta crio um luto antecipado pelo domingo 18 h. Meu corpo ainda é material, mas meu tempo foi terceirizado para hashtags. Na encruzilhada entre queimar ou apodrecer, escolho sobreviver em ponto morto, porque morrer dá muito trabalho e viver de verdade exige presença — artigo fora de estoque.
(Ironia final? Há programas de bem-estar corporativo ensinando mindfulness para que eu “aproveite o momento”… enquanto conto segundos até terminar a meditação patrocinada.)
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Mal-Estar na Pós-Modernidade. Zahar, 1998.
CIORAN, Emil. Breviário da Decomposição. Rocco, 2011.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Imago, 1969.
HAN, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Vozes, 2015.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Burn-out an occupational phenomenon.
#maispertodaignorancia
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