Manual básico para fracassar com elegância (e barriga cheia)
#maispertodaignorancia
Eu, que mal digeri o café da manhã, vejo a timeline oferecer doses homeopáticas de Marco Aurélio em carrossel motivacional. Dizem que o imperador escrevia cartas para si mesmo; hoje, as cartas viram posts patrocinados e, ironicamente, arrebanham curtidas como se fossem as legiões do Danúbio. O estoicismo virou Fidget Spinner filosófico: gira, brilha, distrai – mas não preenche o estômago.
Mediocridade original versus mediocridade gourmet
Os estoicos chamavam mediocritas de “virtude do meio”. Nada de ostentar glória nem de cultivar miséria: apenas sustentar o corpo e domar o desejo. Fast-forward para 2025, e “mediocre” é xingamento que coach usa para vender upgrade de performance. A verdadeira mediocridade – aquela que aceita limites sem fazer drama – foi banida; no lugar, nasceu a “mediocridade premium”: KPI de felicidade, feed impecável, mas alma em regime de open bar de ansiedade.
Visibilidade não paga frango
Podemos ser deuses do discurso dentro de um quarto alugado, mas se a geladeira range, o algoritmo não entrega proteína. A superestrutura do like fantasia autonomia, enquanto o corpo cobra imposto em forma de glicose. Como lembrou Marx (sempre ele), não há dialética que vença a fome – e Cioran, rindo no canto, anota no Breviário da decomposição que “toda metafísica é impossível com o estômago vazio”.
O bug do discurso
A racionalização infinita gerou um metacérebro que mastiga palavras e cospe slogans. Guy Debord chamou de “espetáculo”; Byung-Chul Han, de “sociedade da transparência”; eu chamo de devorador de frango imaginário. Quanto mais explicamos a vida, menos tocamos na matéria que fede, range e azeda. É a “síndrome da cebola intelectual”: descasca-se conceito após conceito até restar só lágrima e bafo de erudição.
Pequeno guia de sobrevivência lúcida
1. Dieta discursiva – fale metade, mastigue o dobro.
2. Micro-práxis – troque um soquete queimado antes de twittar sobre a queda do Ocidente.
3. Ironia devota – ria de si mesmo antes que o próximo guru lhe venda risadas em NFT.
Conclusão (provisória, porque definitiva seria coaching)
Talvez não caiba mais frango no feed, mas cabe frango na panela. E, sincera e estoicamente, a habilidade de fritá-lo com modéstia vale mais que qualquer “mindset vencedor”. Se fracassar é inevitável, que seja de barriga quente – e sem a ilusão de que o like substitui proteína.
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Referências
TERRA. “Há 2.500 anos, os estoicos encontraram a felicidade em algo que hoje evitamos: ser medíocres.” Disponível em: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/ha-2500-anos-os-estoicos-encontraram-a-felicidade-em-algo-que-hoje-evitamos-ser-mediocres,f444ac4ab87b8d6913d3424db721ae2dnwqesuf7.html.
Cioran, Emil. Breviário da decomposição. São Paulo: Rocco, 2011.
Han, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. São Paulo: Editora Vozes, 2017.
Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010.
Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
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