Avançar para o conteúdo principal

DO FALSO SELF AO EU LIKEÁVEL: A GERAÇÃO QUE SE MASTURBA NA IMAGEM E GOZA SEM DESEJO




DO FALSO SELF AO EU LIKEÁVEL: A GERAÇÃO QUE SE MASTURBA NA IMAGEM E GOZA SEM DESEJO


José Antônio Lucindo da Silva 
#maispertodaignorancia

Resumo:

Este artigo propõe uma leitura crítica da matéria publicada pelo G1/Fantástico (2025), que denuncia o “vício em prazer imediato” como causa da imobilidade juvenil. Partindo das contribuições de Jean Twenge e Donald Winnicott, articuladas a Freud e Byung-Chul Han, tensionamos o esvaziamento subjetivo de uma geração aprisionada entre pornografia, games e laços simbólicos rompidos. Não se trata de patologia individual, mas de um novo arranjo civilizatório que transforma o falso self em capital de engajamento e o desejo em algoritmo de distração.

1. Introdução: o alarme tardio

A matéria publicada no G1 sob o título “Vício em prazer imediato cria geração de homens dependentes de games e pornografia que não saem da casa dos pais” (G1, 2025) lança um alerta importante, mas raso. O problema não é o consumo de prazer, mas a impossibilidade de elaborar a experiência de frustração e ausência — bases fundamentais da constituição subjetiva.

O vício em si não é a causa, mas o sintoma de um sistema que abole o tempo psíquico, substituindo desejo por dopamina e elaboração simbólica por cliques performáticos.

2. Jean Twenge e a iGen: o self em colapso

Twenge (2017) identifica uma geração nascida em meio a telas, cercada por estímulos imediatos e crescentemente incapaz de experienciar o real sem mediação. O que ela observa, com riqueza estatística, é a desaceleração do processo de individuação: jovens que dirigem menos, saem menos, se arriscam menos, amadurecem menos.

Mas isso não é recuo — é recalibragem subjetiva. O tempo de amadurecimento deu lugar ao tempo de carregamento. O laço social foi substituído por followers. A identidade, por branding.

3. Winnicott e o falso self digital

Donald Winnicott, décadas antes da internet, já alertava para os perigos do falso self: uma construção subjetiva moldada para atender demandas externas, sufocando o self verdadeiro, aquele que emerge da experiência espontânea, criativa e lúdica com o outro.

O que temos hoje é o falso self em estado de excelência midiática:
- Não sente, mas expressa emoções em HD
- Não vive, mas reage com emojis
- Não age, mas engaja
- Não ama, mas segue de volta

O resultado? Um self instagramável, sem interioridade, que goza performaticamente sem suportar o peso do desejo real. E como nos lembra Freud, sem desejo, o sujeito morre — mesmo que continue postando.

4. A pornografia e os games como espaços de não-laço

A pornografia oferece o prazer do outro sem o incômodo da alteridade.
Os games oferecem a vitória sem o risco da morte simbólica.

Byung-Chul Han (2015) chama isso de sociedade da positividade: tudo é experiência segura, higienizada, clicável. O negativo foi abolido. A contrariedade virou disfunção. O tédio, diagnóstico. A ausência de resposta, bug.


“A subjetividade contemporânea é treinada não para desejar, mas para consumir o prazer da ausência de conflito.”

5. O retorno do mesmo: algoritmo como superego

Vivemos a repetição do mesmo gozo, dia após dia, sem dialética, sem transformação. A vida virou scroll infinito. O feed substituiu o inconsciente. O like, o olhar do Outro. E o algoritmo? Um novo superego que não proíbe, apenas sugere — e por isso mesmo domina ainda mais.

Não há culpa. Só notificação.

6. Conclusão: a doença é o projeto

O sujeito “que não sai da casa dos pais” não é disfuncional. Ele é a versão final de um projeto de subjetividade que substituiu o amadurecimento pela manutenção do gozo permanente.

Jean Twenge diagnosticou isso como uma quebra geracional. Winnicott já havia previsto como uma ruptura no desenvolvimento do self. E hoje, chamamos de “normal”.

A pergunta não é: como curar esse vício?
A pergunta é: como desejar de novo, num mundo onde tudo já é dado — inclusive o eu?

Referências:

FANTÁSTICO. Vício em prazer imediato cria geração de homens dependentes de games e pornografia que não saem da casa dos pais, alerta especialista. G1, 28 mai. 2025. Disponível em: 

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/05/28/vicio-em-prazer-imediato-cria-geracao-de-homens-dependentes-de-games-e-pornografia-que-nao-saem-da-casa-dos-pais-alerta-especialista.ghtml. Acesso em: 28 mai. 2025.

TWENGE, Jean M. iGen: por que os jovens superconectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes — e completamente despreparados para a vida adulta. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

WINNICOTT, Donald W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo Introdução: A Farsa da Liberdade na Sociedade Digital Ah, que tempos maravilhosos para se viver! Nunca estivemos tão livres, tão plenos, tão donos do nosso próprio destino – pelo menos é o que os gurus da autoajuda e os coachs do Instagram querem nos fazer acreditar. Afinal, estamos todos aqui, brilhando no feed infinito, consumindo discursos pré-moldados e vendendo nossas identidades digitais como se fossem produtos de supermercado. E o melhor de tudo? A ilusão da escolha. Podemos ser quem quisermos, desde que esse "eu" seja comercializável, engajável e rentável para os algoritmos que regem essa bela distopia do século XXI. Se Freud estivesse vivo, talvez revisitasse O Mal-Estar na Civilização (1930) e reescrevesse tudo, atualizando sua teoria do recalque para algo mais... contemporâneo. Afinal, hoje não reprimimos nada – muito pelo contrário. Estamos todos em um estado de hiperexpressão, gritando par...