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Do Cavalo de Guerra ao Avatar Frustrado: Confissões de um Macho Beta em Extinção


Do Cavalo de Guerra ao Avatar Frustrado: Confissões de um Macho Beta em Extinção

“Quando a espada descobre que o inimigo é a própria tela, restam dois caminhos: fiar a trama ou furar o reflexo.”


1 | Introdução: bem-vindos ao meu laboratório de ironias utilitárias

Sente-se, respire fundo e me observe ao microscópio: sou o espécime pós-industrial que Scott Galloway batizou de “homem jovem inviável” (KAY, 2025). Tenho quatro vezes mais chance de me matar, três vezes mais risco de dependência química e doze vezes mais probabilidade de ser preso. Enquanto conto essas estatísticas, minhas contrapartes femininas compram imóveis, fazem pós-graduação e ainda mentem no censo para não ferir meu ego de provedor mambembe.

Pergunto-me: em que momento o músculo virou figurante e o algoritmo tomou o papel principal?


2 | Da fábrica ao feed: um roteiro que não me pertence mais

Pierre Bourdieu jurava que minha virilidade era “natural” porque o hábito a reproduz sem pensar (BOURDIEU, 1999). Funcionou até o dia em que a linha de produção foi substituída por cloud computing e o botão “denunciar” virou o novo escudo urbano. Meu script triplo — prover, protetor, procriador — virou piada com filtro de cachorrinho.

Sem rito de passagem, restou-me o ringue digital: abro um podcast, vendo virilidade em merch vermelho-pílula e coleciono curtidas que duram menos que meu nível de bateria.


3 | Elas sublimam, eu streamo ressentimento

Jean Twenge (2017) já havia mapeado minha derrota: meninos da iGen trocam afeto por jogos e pornografia, enquanto meninas convertem demora em capital social e micro-economia do cuidado. Quando a pandemia fechou estádios e bares, quem possuía gramática de afeto sustentou a sanidade. Eu, não; continuei atirando no joystick.

Byung-Chul Han (2018) chamou isso de pornografia da violência: exibe-se tudo, elabora-se nada. Resultado? Vídeos de agressão viralizam, o algoritmo monetiza e eu sigo órfão de narrativa — um gladiador sem arena.


4 | O perigo do ressentimento fast-food

Galloway alerta: quando começo a culpar mulheres, imigrantes ou “o sistema” por minha impotência simbólica, troquei o mapa por um espelho rachado (KAY, 2025). O mercado da raiva agradece: cada clique é um centavo para influenciadores que vendem “masculinidade espartana” por boleto bancário.


5 | Aprender a fiar a trama: propostas (quase) exequíveis

1. Rituais de travessia – Serviço cívico remunerado, mentorias intergeracionais, licença-paternidade que valha o nome; preciso de um enredo maior que 15 segundos.


2. Alfabetização afetiva obrigatória – Se Freud (1930) não chega à escola, inclua-o ao menos num semestre de “Gestão de Frustração Elementar”.


3. Algoritmo ético – Menos loops de dopamina instantânea; mais visibilidade para redes de apoio. Utopias são caras, mas necrotérios também.


4. Cuidado compartilhado – ISS sobre a própria sobrevivência: cuidado não é “coisa de mulher”, é infraestrutura da espécie.



6 | Conclusão (com pitada niilista)

Descobri tardiamente que a espada que empunhava sempre apontou para mim. Ou aprendo a fiar a trama — aquele labor minucioso que as mulheres exercitam há séculos — ou continuo tentando furar o próprio reflexo até a lâmina quebrar. Enquanto isso, a civilização (sobre)vive na cadência de quem sabe adiar o gozo e transformar fracasso em vínculo.

Se me virem por aí, regando a planta que a minha avó esqueceu no quintal, não se espantem: talvez eu esteja ensaiando a minha primeira lição de sublimação.


Referências:

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1930.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.

KAY, Katty. ‘Estamos diante de uma geração de homens jovens inviáveis econômica e emocionalmente’. BBC Worklife, 30 maio 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c201kepl0vro. Acesso em: 31 maio 2025.

TWENGE, Jean M. iGen: por que os superconectados estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes — e completamente despreparados para a vida adulta. São Paulo: Benvirá, 2017.

GALLOWAY, Scott. Lost Boys. Podcast, Ep. 01, 2025. Disponível em: https://www.profgmedia.com/lostboys. Acesso em: 31 maio 2025.


#maispertodaignorancia


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