RUÍDO DE UM SILÊNCIO: A (IM)POSSIBILIDADE DE PENSAR-SE NA ERA DA PERFORMATIVIDADE
Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão crítica sobre a impossibilidade contemporânea de silenciar-se e pensar a si mesmo dentro da lógica mediática e performativa das redes sociais. Através de uma escrita em primeira pessoa, o texto articula experiência subjetiva e referencial teórico, mobilizando autores como Freud, Lacan, Winnicott, Bauman, Byung-Chul Han e Nietzsche. A hipótese central é que a ausência de frustração, somada ao excesso de discursividade e visibilidade, impede a elaboração simbólica e compromete a construção do "eu".
Palavras-chave: Silêncio. Redes sociais. Subjetividade. Eros. Recalque. Falta.
1. Introdução
Não é mais possível pensar-se sem que esse gesto seja contaminado pelo desejo de engajamento. O silêncio virou performance. A introspecção precisa ser narrada, a solidão, justificada. E eu, como sujeito contemporâneo, me vejo pressionado a existir dentro dessa lógica de presença constante e discursiva, onde o não dito perde valor. Esse artigo é uma tentativa de resgatar o valor do intervalo, da falta, do silêncio que pensa.
2. O discurso como imposição de existência
As redes sociais operam hoje como uma instância quase ontológica: quem não posta, não é. Byung-Chul Han (2017) nos alerta sobre a "positividade tóxica" que impede o recuo, o erro, o recalque. E Freud (1914), ao propor a necessidade do recalque como origem da sublimação, nos mostra que a eliminação do recuo implica também na impossibilidade de pensar e elaborar.
3. O eu gasoso: entre Bauman e Lacan
Bauman (2001) chamou-nos de líquidos, mas talvez sejamos gasosos: escapamos a qualquer tentativa de formação. O eu não se constrói mais na tensão com o outro, mas na confirmação algorítmica. Lacan (1953) dizia que o eu é efeito do discurso, mas agora esse discurso vem programado para evitar a contradição. O outro virou funcionalidade, não alteridade.
4. A regressão ao narcisismo primário
Freud (1914) descreveu o narcisismo primário como aquele momento em que o bebê espera do olhar da mãe a confirmação de sua existência. Hoje, é o feed que devolve esse olhar. As curtidas tornaram-se o novo olhar materno. Não há mais espera, há demanda. E o desejo, como falta, desaparece.
5. Eros e a impossibilidade da falta
O Eros freudiano, esse que une, que pulsa entre a vida e a morte, depende de intervalo, de silêncio, de frustração. Mas o sistema performativo não permite a ausência. Como amar se o outro é apenas um reflexo? Como desejar se tudo é entregue antes mesmo da falta surgir? Nietzsche (2009) diria: o que precisa ser mostrado, não tem valor. E hoje, tudo é mostrado.
6. Silêncio como ética
Escrevo este texto como gesto ético. Uma forma de dizer que não quero mais funcionar. Que recusar-se à performatividade pode ser um modo de resistir. Winnicott (1983) defendia a capacidade de estar só como maturidade psíquica. Talvez seja tempo de recuperar esse gesto.
7. Considerações finais
Este artigo é uma tentativa de sustentar a falta como valor. De afirmar que o silêncio pode ser mais potente do que o excesso de fala. E que, paradoxalmente, talvez pensar hoje seja um ato desesperador justamente por não haver mais espaço para pensar.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BYUNG-CHUL HAN. A Sociedade da Transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo (1914). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, Jacques. Os escritos técnicos de Freud (1953-1954). In: O seminário, livro 1. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
NIETZSCHE, Friedrich.
Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
WINNICOTT, Donald. A capacidade para estar só. In: O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
Por: José Antônio Lucindo da Silva
CRP: 06/172551
joseantoniolcnd@gmail.com
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