O texto é construído em primeira pessoa, com o objetivo de sustentar a experiência singular como forma legítima de discurso.
Palavras-chave: felicidade, pensamento crítico, desespero, normatividade, discurso midiático, subjetividade
INTRODUÇÃO
Pensar demais nunca foi uma qualidade apreciada em tempos de algoritmos.
Não que o pensamento tenha deixado de existir — ele apenas passou a ser menos útil, menos rentável, menos performático.
Quando comecei a observar as frases que circulam como pequenos afagos digitais do fim de semana —
“espero que você encontre tempo para ser feliz” —
percebi que havia ali algo mais do que gentileza.
Havia um comando disfarçado. Um imperativo moral.
Uma forma elegante de dizer: seja funcional, mesmo na sua folga.
Foi daí que nasceu este texto.
Não para curar nada. Não para organizar.
Mas para expor as vísceras de uma normalização afetiva disfarçada de cuidado.
1. A FELICIDADE COMO IMPERATIVO MEDIÁTICO
A felicidade virou projeto de vida.
Quem não performa positividade é visto como incompleto.
Como adverte Byung-Chul Han (2015), vivemos numa sociedade de desempenho onde até as emoções foram convertidas em capital simbólico.
A felicidade virou critério de produtividade emocional.
Pensar demais, nesse contexto, é um erro — não porque seja falso, mas porque atrapalha o espetáculo.
2. O SUJEITO COMO PROJETO E O CORPO COMO PLATAFORMA
O sujeito hoje é convocado a ser um projeto.
Corpo, emoção e tempo são gerenciáveis.
Felicidade, por exemplo, tem horário: finais de semana ou pausas com filtro.
Como diz Freud (2010), o sofrimento é parte constitutiva da vida psíquica.
Mas a cultura recalca essa verdade, e oferece em troca uma ilusão de prazer contínuo.
No lugar da falta, entra o algoritmo.
3. A ESPERANÇA COMO PAIXÃO TRISTE
Spinoza (1983) define a esperança como paixão triste.
Esperamos porque a realidade não nos serve.
Hoje, a esperança se disfarça de café na janela e frases ilustradas.
Funciona como um calmante simbólico que suspende o desespero — sem nunca elaborá-lo.
Não é abertura, é contenção.
4. A DEPRESSIVIDADE COMO FALÊNCIA DO TEMPO DO LUTO
Fédida (2001) nos diz que a depressividade surge quando o luto não encontra tempo psíquico.
E, mais que isso: quando o sujeito não é autorizado socialmente a cair.
A positividade excessiva impede a travessia.
A felicidade vira máscara.
E o grito se torna silêncio funcional.
5. O DESESPERO COMO RESISTÊNCIA
Kierkegaard (2000) dizia: o desespero é a doença mortal do eu —
não porque mata, mas porque denuncia: estamos desconectados de nossa verdade.
Camus (1995) propõe:
não se busca sentido — mas se recusa a mentira bem organizada.
Pensar demais, então, não é fuga.
É resistência à frase pronta.
Ao sábado feliz.
À felicidade de catálogo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar demais não é doença.
É recusa.
É uma tentativa de habitar o mundo sem os atalhos que tentam nos salvar do desespero.
Não quero ser feliz. Quero ser verdadeiro.
E se isso for doloroso, que seja.
A dor, ao menos, ainda não foi capturada por inteiro.
Talvez seja nela que resida o último traço de liberdade subjetiva.
REFERÊNCIAS
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. São Paulo: Record, 1995.
FÉDIDA, François. O luto: ensaios sobre a ausência. São Paulo: Escuta, 2001.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Cia. das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
Por: José Antônio Lucindo da Silva
CRP: 06/172551
joseantoniolcnd@gmail.com
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