O Silenciamento como Poder: Entre a Fragilidade da Autoridade e a Judicialização do Afeto
Introdução
Vivemos um tempo em que a dor passou a ter mais valor político que a razão. Onde a ofensa virou ferramenta de gestão, e o insulto, catalisador de processos judiciais. Nesse contexto, o discurso público é cada vez mais pautado pela demanda afetiva e não pela articulação racional. Este ensaio propõe-se a pensar o que acontece quando o poder político — no caso, a figura do presidente da República — não mais sustenta seu papel simbólico, mas aciona o judiciário para validar a sua vulnerabilidade.
1. A Autoridade Ferida e a Crise do Poder Simbólico
A autoridade, como lembra Byung-Chul Han em O Que é o Poder?, não se afirma pela força, mas pela aceitação do outro, pela internalização voluntária da ordem. Quando um presidente precisa da Polícia Federal para reagir a um insulto como "ladrão", ele não reafirma o poder: ele o denuncia. Revela sua incapacidade de representar um campo simbólico estável. O insulto, nesse caso, tem mais força simbólica que o cargo.
2. Do Julgamento à Demanda: O Judiciário e a Administração do Afeto
O sistema de justiça, por sua vez, não se limita mais a julgar crimes, mas a acolher demandas afetivas. Sentir-se ofendido não é mais uma experiência privada ou culturalmente debatida, mas uma base processual. O insulto passa a ter valor de prova; a dor, de jurisprudência. Nesse sentido, o judiciário é convocado a mediar disputas não sobre leis, mas sobre sensibilidades.
3. A Dor como Capital Discursivo
Quando o passado histórico de sofrimento é instrumentalizado para eliminar a voz do outro, temos um novo tipo de exceção: o monopólio da dor como justificação para o silenciamento. Há um apagamento do contraditório, pois qualquer opinião divergente pode ser imediatamente enquadrada como discurso de ódio, sem necessidade de interpretação. O que está em jogo não é a construção de um espaço simbólico comum, mas a validação de vivências como critério de verdade.
4. A Falência do Espaço Político e Jurídico
Quando tanto o poder executivo quanto o judiciário passam a operar sob lógicas afetivas, o espaço público se transforma numa zona de litigância emocional. A política deixa de ser representação de interesses comuns e se converte em palco de ofensas e ressentimentos. A justiça não se estrutura mais pela tensão simbólica do contraditório, mas pela performatividade da queixa. Como diz Han, “a era do debate cedeu lugar à era do escândalo”.
Conclusão
Quando um presidente se ofende e aciona o Estado para silenciar o outro, ele já perdeu a guerra simbólica. Quando um juiz atende a esse pedido, não está protegendo a justiça, mas legitimando a emoção como princípio de coerção. Vivemos tempos em que a dor virou argumento e o silêncio virou sentença. Resta-nos perguntar: o que ainda pode ser dito quando até o dissenso é considerado crime?
Silvan diria: Quando o poder chora, o juízo silencia. E a verdade, essa, fica sentada no banco dos réus, aguardando quem ainda tenha coragem de escutá-la.
Referências bibliográficas (em português):
- HAN, Byung-Chul. O que é o poder? Petrópolis: Vozes, 2023.
- HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
- HAN, Byung-Chul. Topologia da violência. Petrópolis: Vozes, 2017.
- HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder. Petrópolis: Vozes, 2015.
- ŽIŽEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011.
- NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
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