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Entre Algoritmos e Existência: A Ilusão da Superação da Inteligência Humana pela Inteligência Artificial



Entre Algoritmos e Existência: A Ilusão da Superação da Inteligência Humana pela Inteligência Artificial

Autor: José Antônio Lucindo da Silva, psicólogo (CRP: 06/172551), pesquisador independente de filosofia da tecnologia e estudos da mente.


Introdução

Em abril de 2025, durante a conferência Brazil at Silicon Valley, o psicólogo Michal Kosinski, da Universidade de Stanford, afirmou que "já ultrapassamos a inteligência artificial geral (AGI)". Essa declaração provocou debates intensos sobre o que realmente significa "inteligência" e se as máquinas podem, de fato, superar a cognição humana. Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre essa afirmação, explorando as distinções entre inteligência humana e artificial, e questionando as bases sobre as quais tais comparações são feitas.

1. A Redução da Inteligência à Eficiência Algorítmica

Kosinski argumenta que, ao realizar tarefas como escrever poemas ou traduzir idiomas com rapidez e precisão, a IA demonstra ter superado a inteligência humana. No entanto, essa visão reduz a inteligência a uma série de habilidades técnicas e mensuráveis, ignorando aspectos fundamentais da experiência humana, como consciência, emoções e contexto cultural. A inteligência humana não se limita à execução de tarefas; ela envolve compreensão, empatia e a capacidade de atribuir significado às experiências.

2. A Crítica ao Dataísmo e a Valorização dos Dados

Yuval Noah Harari, em seu livro Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, introduz o conceito de "dataísmo", uma ideologia emergente que considera o fluxo de dados como o valor supremo. Nesse contexto, a IA é vista como uma ferramenta capaz de processar informações de maneira mais eficiente do que os humanos, levando à crença de que pode tomar decisões melhores em diversas áreas da vida. No entanto, essa perspectiva ignora que os dados são interpretados dentro de contextos específicos e que a tomada de decisões humanas envolve valores, ética e julgamento subjetivo, elementos que os algoritmos não possuem.

3. Heidegger e a Questão do Ser

Martin Heidegger, filósofo alemão, enfatiza a importância do "ser-no-mundo" (Dasein) na compreensão da existência humana. Para Heidegger, a tecnologia, incluindo a IA, é uma manifestação da vontade humana de controlar e dominar o mundo, o que pode levar ao "esquecimento do ser". Ao confiar excessivamente na tecnologia para resolver problemas humanos, corremos o risco de perder a conexão com aspectos fundamentais da nossa existência, como a autenticidade, a responsabilidade e a capacidade de questionar.

4. Byung-Chul Han e a Sociedade da Informação

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, critica a sociedade contemporânea por sua obsessão com a transparência, a eficiência e a produtividade, características que também definem a IA. Em sua obra Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia, Han argumenta que a sobrecarga de informações e a pressão por desempenho constante levam à perda de profundidade nas relações humanas e à erosão da democracia. A IA, nesse contexto, representa uma forma de inteligência apática, que calcula sem compreender, e cuja lógica pode levar à desumanização.

5. A Importância da Imperfeição Humana

A inteligência humana é moldada por nossas imperfeições, limitações e experiências subjetivas. É através dos erros, das dúvidas e das emoções que desenvolvemos empatia, criatividade e sabedoria. A IA, por mais avançada que seja, não compartilha dessas características humanas. Ela opera com base em algoritmos e dados, sem consciência ou compreensão genuína. Portanto, ao comparar a IA com a inteligência humana, é essencial reconhecer que estamos lidando com formas de cognição fundamentalmente diferentes.

Conclusão

A afirmação de que a IA superou a inteligência humana reflete uma compreensão limitada e tecnicista do que significa ser inteligente. Ao reduzir a inteligência à capacidade de processar informações rapidamente, ignoramos os aspectos mais profundos e complexos da experiência humana. Em vez de buscar replicar ou superar a inteligência humana, devemos focar em desenvolver tecnologias que complementem nossas habilidades e respeitem os valores e princípios que definem nossa humanidade.

Referências:

Kosinski, M. (2025). 'Nós já ultrapassamos a inteligência artificial geral', diz professor de Stanford Michal Kosinski. Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/professor-de-stanford-michal-kosinski-inteligencia-artificial/

Harari, Y. N. (2016). Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. Companhia das Letras.

Heidegger, M. (1927). Ser e Tempo. Tradução: Fausto Castilho. Editora Vozes.

Han, B.-C. (2022). Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia. Editora Vozes.

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