A Tragédia do Discurso em Rede: Quando a Mentira Veste Filtro e Pede Like
Era uma vez um sujeito. Ou melhor: era uma vez um perfil. O sujeito, esse resquício da modernidade, já não tinha serventia na nova ágora digital. O que importava era a performance. E que performance! Disfarçada de autenticidade, embalada em frases prontas e algoritmos dançantes, nossa discursividade entrou em cena não para comunicar, mas para validar um "eu" que só existe enquanto é visto.
Byung-Chul Han já havia anunciado em A Sociedade da Transparência (2017) que o excesso de positividade dissolveria o negativo e, com ele, qualquer profundidade. E dissolveu. A dúvida virou desengajamento. A crítica virou hater. O silêncio virou shadowban. Em nome da visibilidade, tornamo-nos verborrágicos, mas vazios. Como diria Nietzsche (1998), "não há fatos, apenas interpretações" — o problema é que hoje temos apenas reações.
Ernest Becker, em sua ironia fúnebre, nos ensinou que construímos mentiras para escapar do terror da morte. Hoje, essa mentira se chama story. Ou feed. Ou bio. A mentira caracteriológica migrou para o digital, mas manteve sua função: esconder nossa fragilidade por trás de curtidas, selos de verificação e frases motivacionais. Tornou-se um produto de design comportamental. Freud (2010) sorriria com angústia: o ego contemporâneo não reprime desejos, ele os exporta em reels de 15 segundos.
A discursividade na rede é, portanto, a arte de dizer tudo sem dizer nada. De debater sem escutar. De representar um eu que precisa sempre parecer mais coerente do que é. Ortega y Gasset (1993), com seu olhar aristocrático, já havia previsto o triunfo do homem-massa — e o algoritmo tratou de dar-lhe palco e microfone.
Afinal, que tipo de discurso sobrevive num ambiente onde toda mensagem precisa ser monetizável, viralizável e palatável? Aquele que se adapta. Aquele que não incomoda. Aquele que transforma até o luto em conteúdo, a dúvida em thread e a ansiedade em postagem patrocinada sobre autocuidado com chá e produtividade.
Vivemos no tempo em que a linguagem serve menos para significar e mais para performar. E, nesse grande teatro de avatares, o discurso é menos sobre o que dizemos e mais sobre quantos nos veem dizendo. Como ironizaria Cioran: "Tudo se tornou discurso, exceto o essencial."
Referências
BECKER, Ernest. A negação da morte. Rio de Janeiro: Record, 2007.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Por : José Antônio Lucindo da Silva CRP:06/172551 joseantoniolcnd@gmail.com
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