A Gravidade do Esperto — Ou Como o Dinheiro Gira o Discurso Nacional
Por Silvan
Dizem por aí que o Brasil é o país do futuro, mas ninguém avisou que o futuro ia chegar embrulhado em boleto digital e moral parcelada. De "malandro carnavalesco" a "empreendedor de nuvem", a esperteza virou patrimônio nacional com reconhecimento internacional — ainda que seja via Interpol (DAMATTA, 1979; SAGE JOURNALS, 2025).
O brasileiro, orgulhoso inventor do "jeitinho", segue na crença firme de que regras são apenas "sugestões burocráticas". Afinal, como indica Ramos (1990), entre a fila do banco e a transferência irregular, existe apenas um QR code de distância. Bem-vindo ao século XXI, onde o "esperto" não apenas leva vantagem em tudo, como faz isso com a simpatia de quem ensina uma lição de moral enquanto esvazia sua carteira (VEJA, 2017).
A verdade incômoda é que toda essa moralidade flutuante gira ao redor de um buraco negro chamado dinheiro. Marx já alertava, lá no século XIX, que o dinheiro é a "mercadoria universal", aquela capaz de atrair, curvar e eventualmente devorar todas as outras formas de valor (A TERRA É REDONDA, 2020). Quem ousa resistir à força gravitacional do capital descobre rapidamente que, na prática, ideologia não paga boleto — e quem paga, em geral, determina o discurso (FOLHA DE S.PAULO, 2024).
Mas calma, nem tudo é cinismo: temos também avanços tecnológicos notáveis, como a automatização das fraudes. Basta lembrar o recente escândalo do INSS, onde R$ 6,3 bilhões evaporaram das contas dos aposentados com uma eficiência que faria inveja ao Vale do Silício (CNN BRASIL, 2025; AGÊNCIA BRASIL, 2025). E dizem que não somos modernos!
Nesse cenário, o "jeitinho brasileiro" evoluiu. Agora roda em microsserviço e gera "boleto amigo" com desconto direto na aposentadoria da sua avó. Claro que o governo prometeu resolver tudo — até o próximo golpe aparecer nas manchetes e a atenção pública ser redirecionada (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2023).
No fim das contas, enquanto a gravidade do dinheiro comandar o roteiro, o Brasil seguirá fiel à tradição de celebrar a malandragem como traço cultural — ou melhor dizendo, traço "cultural-financeiro". Porque aqui, até a ética já vem com nota fiscal. Otimismo? Talvez quando inventarmos um imposto sobre cinismo líquido. Até lá, sorria e pague a taxa.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Justiça aponta liberação irregular de descontos no INSS. Brasília, 28 abr. 2025.
CNN BRASIL. PF: Direção do INSS ignorou alertas sobre fraudes. São Paulo, 29 abr. 2025.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
FOLHA DE S.PAULO. PL e PT terão as maiores parcelas do fundo eleitoral em 2024. São Paulo, 2024.
MARX, Karl. Dinheiro e moeda em Karl Marx. In: A TERRA É REDONDA, 2020. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br. Acesso em: 30 abr. 2025.
RAMOS, José. O jeitinho como recurso de poder. RAP/FGV, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 78-89, 1990.
SAGE JOURNALS. Jeitinho brasileiro: Historical development and current research. Londres, 2025.
TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption Perceptions Index 2022. Berlin, 2023.
VEJA. Cigarro Vila Rica e a famosa máxima "Lei de Gérson". São Paulo, 2017.
Escrito por: José Antônio Lucindo da Silva | CRP: 06/172551 E-mail: joseantoniolcnd@gmail.com
Hashtag: #maispertodaignorancia , @maispertodaignorancia
Comentários
Enviar um comentário