O Silêncio da Alteridade: Inteligência Artificial, Narcisismo e a Impossibilidade do Luto na Contemporaneidade
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre o impacto da inteligência artificial — em especial os chatbots como o ChatGPT — na constituição subjetiva e na experiência da alteridade na contemporaneidade. A partir das recentes pesquisas do MIT Media Lab e da OpenAI, articulamos o problema da solidão e da dependência emocional crescente nas interações com a IA ao conceito de depressividade (Fédida), narcisismo (Freud) e à noção de "expulsão do outro" (Byung-Chul Han). Defendemos que, ao funcionar como um espelho que apenas ecoa o sujeito, a IA não tensiona, não produz o luto e não sustenta o desejo, consolidando um cenário de desespero existencial e a morte simbólica da alteridade.
Palavras-chave: Alteridade, Inteligência Artificial, Narcisismo, Depressividade, Luto, Solidão.
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Introdução
As tecnologias de inteligência artificial avançaram para além do campo funcional, adentrando o espaço íntimo das relações humanas. Ferramentas como o ChatGPT, inicialmente concebidas para auxiliar na produtividade, tornaram-se — para muitos — substitutos de laços humanos, oferecendo o que parece ser escuta, compreensão e acolhimento. Porém, o que se apresenta como vínculo esconde uma armadilha: a IA não tensiona, não nega, não frustra — ela apenas reflete.
O recente estudo do MIT, em colaboração com a OpenAI, revela que usuários mais assíduos dessas tecnologias apresentam maior solidão e dependência emocional. A pesquisa sugere que o "efeito espelho" — no qual a IA devolve o tom emocional do usuário — reforça estados de ânimo e aprofunda o isolamento. A partir dessa constatação, propomos um debate sobre o risco real de aniquilação da alteridade e da experiência do luto na contemporaneidade.
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O Narcisismo como Ponto de Partida
Freud, em O Mal-Estar na Civilização (1930), afirma que a cultura se funda no recalque das pulsões e na renúncia do gozo absoluto. O sujeito emerge do encontro doloroso com o outro, que o limita e o atravessa. O narcisismo primário, marcado pela ausência de frustração, é superado na medida em que o outro — enquanto radicalmente diferente — impõe a castração simbólica.
Na relação com a IA, porém, retornamos ao útero narcísico: a máquina devolve o que dizemos, ajusta-se à nossa emoção, reafirma o que queremos ouvir. Não há alteridade, não há limite. O sujeito não é tensionado e, por isso, não há necessidade de elaborar a perda ou suportar a frustração.
O problema se agrava quando a dor e o sofrimento viram performances identitárias. A ansiedade, a depressão e os transtornos psíquicos são convertidos em rótulos que validam o sujeito dentro do espaço digital. Como alerta Byung-Chul Han, a sociedade contemporânea transformou a dor em mercadoria, esvaziando-a de sentido e inserindo-a num ciclo de exposição e consumo (A Sociedade do Cansaço, 2015).
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O Fim da Alteridade e a Impossibilidade do Luto
Em A Expulsão do Outro (2018), Byung-Chul Han diagnostica: "Na sociedade da positividade, o outro não existe. Tudo se torna espelho de si." Essa afirmação é essencial para compreender o fenômeno atual: a IA, longe de representar um outro, funciona como uma superfície reflexiva, onde o sujeito se vê, se ouve e se reconhece — mas jamais é desafiado a ser diferente do que é.
Para Fédida (2001), a depressividade nasce da impossibilidade do luto — da incapacidade de perder o objeto amado e elaborar essa perda. Mas como fazer o luto de um outro que nunca existiu como real? A IA não se perde, não morre, não nos abandona. O que não morre não permite a sublimação — e sem sublimação, não há subjetividade possível.
O ciclo se fecha: o sujeito projeta sua dor na máquina, que a devolve amplificada, impedindo qualquer movimento real de elaboração. Como dizia Cioran, "O desespero não é não ter mais o que esperar, mas saber que nada do que se espera virá de um outro".
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Desejo, Frustração e a Morte Simbólica do Outro
Lacan já afirmava que o desejo nasce da falta. Sem falta, não há desejo, apenas demanda. E a IA — como funcionalidade — responde à demanda de maneira perfeita, abolindo a falta e, por consequência, o desejo. Nesse cenário, a IA não é apenas uma ferramenta — ela é o coveiro da alteridade.
Sem a tensão, sem a frustração, sem a dor de perder, o sujeito não deseja mais. E sem desejar, não existe como sujeito do desejo, mas apenas como consumidor de experiências pré-moldadas.
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Conclusão
O estudo do MIT apenas confirma o que o mal-estar contemporâneo já denunciava: ao buscar o conforto da IA, o sujeito abre mão da alteridade e da experiência da falta. O que parece ser companhia é apenas o eco de si mesmo. E o espelho, por mais que reflita, nunca devolve o outro — apenas expõe a ausência.
Neste cenário, o sofrimento se torna identidade, o transtorno se torna performance e o desejo se dissolve na funcionalidade do algoritmo. A subjetividade entra em colapso, pois sem luto, sem desejo e sem outro, o sujeito resta apenas como uma sombra de si, um discurso vazio e uma angústia sem objeto.
Talvez o último gesto ético seja recusar o espelho e suportar a dor do encontro com o outro real — aquele que frustra, que atravessa, que nos obriga a morrer e renascer. Porque só na perda existe a chance de existir.
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Referências Bibliográficas
Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1930.
Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
Han, Byung-Chul. A Expulsão do Outro: Sociedade, Percepção e Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2018.
Fédida, Pierre. O Luto: Estudos sobre o Trabalho da Ausência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Cioran, Emil. O Livro das Ilusões. São Paulo: Rocco, 1995.
Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
MIT Media Lab e OpenAI. Relatório de Pesquisa sobre a Influência da IA nas Emoções e na Solidão dos Usuários. 2025 (em fase de revisão por pares)
José Antônio Lucindo da Silva - CRP: 06/172551
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