O Paradoxo da Liberdade e o Cansaço da Existência

A liberdade é um conceito maravilhoso, tão maravilhoso que só pode ser uma farsa bem elaborada. De tanto repeti-la como um mantra, convencemos-nos de sua existência. "Seja livre!", proclamam os discursos publicitários, os influenciadores, os pensadores de autoajuda no LinkedIn – como se a liberdade fosse um perfume barato, acessível a qualquer um.
A liberdade é total, sem barreiras, sem fronteiras, sem limites – um oceano aberto de possibilidades… desde que eu me lembre de conferir meu celular a cada cinco minutos para saber se alguém me validou.
Eis a grande ironia da liberdade moderna: quanto mais ela promete autonomia, mais me torno escravo do olhar alheio. O limite não é meu, é do outro. Minha liberdade é concedida por ele – e o pior: eu a aceito com gratidão.
Mas Byung-Chul Han nos alerta: não há mais um senhor que nos oprime. Nós nos exploramos voluntariamente. Somos, ao mesmo tempo, os mestres e os escravos da nossa produtividade emocional. O chicote foi substituído por notificações. A prisão agora é invisível, e a cela é o desejo de ser visto. A liberdade, que deveria ser um horizonte de possibilidades, se tornou um dispositivo de exaustão. E o que chamamos de autonomia não passa de um burnout existencial.
Se não há limites, então posso tudo. Mas se posso tudo, o que realmente escolho? Sem restrições, minha decisão não é escolha, é apenas uma reação ao fluxo ininterrupto de estímulos que me chegam. Na verdade, não escolho nada. Apenas sigo a maré do algoritmo, das tendências, do que me dizem que devo pensar e sentir.
Cioran já alertava: "A lucidez é uma maldição." Saber-se livre e, ao mesmo tempo, escravo de uma liberdade vazia, é o tipo de contradição que só um cínico suportaria sem enlouquecer. Mas e se a insanidade for a única fuga verdadeira?
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O Tempo: Entre a Ausência e o Cansaço
O que acontece com o tempo nesse cenário? Ora, ele desaparece.
Mas isso é novidade? Desde que existimos, tentamos fugir do tempo – ele é a nossa sentença de morte, afinal. O presente é insuportável, por isso esperamos.
Esperamos pelo próximo like. Pelo próximo engajamento. Pelo próximo impulso que nos fará sentir momentaneamente relevantes.
Mas calma, ainda posso dizer que sou livre! Afinal, posso parar a qualquer momento, não é? Posso desligar o celular, posso sair das redes, posso…
Ou será que já não sou mais eu quem determina quando parar? Será que a liberdade sem limite já não me acorrentou de maneira tão sutil que a única forma de me sentir vivo é continuar dentro do jogo?
Byung-Chul Han nos lembra que a sociedade do cansaço não impõe proibições, mas sim convites incessantes à autossuperação. E eu aceito, porque a exaustão agora é um modo de existir. Ser livre significa performar constantemente. O descanso virou culpa, e o ócio virou fracasso.
Cioran, por outro lado, sussurra o inevitável: liberdade, tempo, reconhecimento – tudo isso não passa de uma ilusão para prolongar o sofrimento de existir. O limite que tanto negamos hoje será a liberdade que venderemos amanhã, sem perceber que já estamos exaustos demais para questionar.
Talvez, ironicamente, a verdadeira liberdade não esteja na ausência de limites, mas no seu reconhecimento. Mas quem quer reconhecer o próprio cárcere? Melhor fingir que ele não existe. Melhor acreditar que temos escolhas. Melhor seguir como um condenado que canta para esquecer sua pena.
Ou, quem sabe, eu devesse apenas parar de refletir sobre isso e checar meu celular.
Afinal, alguém pode ter curtido esse texto.
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Referências
Han, B.-C. (2017). Sociedade do Cansaço. Editora Vozes.
Han, B.-C. (2018). Psicopolítica: O Neoliberalismo e as Novas Técnicas de Poder. Editora Vozes.
Cioran, E. M. (2011). Silogismos da Amargura. Editora Rocco.
Cioran, E. M. (1989). História e Utopia. Editora Difel.
#maispertodaignorancia
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