Vivemos um momento histórico em que a materialidade da educação e da construção do conhecimento se desintegra diante da lógica da performatividade e da hiperexposição mediática. O espaço escolar, outrora lugar de elaboração, de silêncio e de tempo para o conhecimento, sucumbe à velocidade das redes e ao imediatismo dos discursos digitais. A promessa clássica de "estude, construa sua carreira e tenha um futuro" perde sentido para uma geração que sequer reconhece o tempo como aliado da aprendizagem.
Historicamente, o ensino no Brasil sempre esteve atrelado à decoreba e ao controle da atenção como mecanismos centrais para o acesso ao conhecimento. A escola, na sua estrutura, demandava leitura, interpretação e elaboração — três processos que exigiam tempo, espaço e paciência. Contudo, a modernidade líquida, como aponta Zygmunt Bauman (2001), dissolveu os vínculos sólidos e transferiu o valor das relações humanas para o campo da visibilidade e do consumo de si. O indivíduo se tornou mercadoria, e o próprio conhecimento se tornou performance.
O advento das redes sociais e a integração forçada dos smartphones nas salas de aula não criaram este problema, mas o escancararam. A escola, ainda refém de um modelo pedagógico ultrapassado, tenta combater o sintoma — o uso do celular — sem perceber que sua estrutura foi corroída. O aluno já não busca o saber como fim, mas como meio de se autopromover. O ato de estudar vira espetáculo; a leitura se reduz à captura de frases para stories; e o saber se torna um acessório para ganhar likes.
Jean Twenge (2018), no livro iGen, reforça esse diagnóstico ao afirmar que a geração nascida a partir de 2010 não conhece o mundo sem a mediação das telas. Para essa geração, a própria existência está condicionada à exposição nos meios digitais. Não ser visto é equivalente a não existir. E se o sujeito só existe na medida em que é consumido, o desejo — entendido aqui como o motor da busca, da falta, da elaboração — dá lugar à demanda, que é imediata, descartável e incessante.
As recentes diretrizes do Ministério da Educação (MEC), publicadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que propõem regulamentar o uso de celulares em sala de aula, tentam mitigar o problema sem enfrentar sua raiz (Folha BV, 2025). O documento propõe restringir o uso de telas na educação infantil e orientar o uso pedagógico no ensino fundamental e médio. Contudo, como criar um uso pedagógico de uma ferramenta que, na sua essência, fragmenta a atenção e sequestra o desejo? Como formar sujeitos críticos em um ambiente em que o discurso pronto e a assessoriabilidade são a moeda de troca?
A grande tragédia desse processo é que a escola, ao perder sua capacidade de formar sujeitos desejantes, se torna apenas mais uma engrenagem da lógica mercadológica. O discurso do "estudar para ter um futuro" não faz mais sentido quando o futuro é o agora — editado, curtido e consumido em tempo real.
O desafio que se impõe não é apenas de regulamentação, mas de refundação da própria proposta educacional. É preciso resgatar o valor da espera, da dúvida e da frustração como partes fundamentais do processo de aprender. Caso contrário, seguiremos formando sujeitos vazios, ansiosos e dependentes da validação mediática — incapazes de sustentar um desejo genuíno que não seja imediatamente mercantilizado.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
TWENGE, Jean M. iGen: Por que os jovens superconectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
FOLHA BV. MEC definiu medidas para uso de celulares em sala de aula. Folha BV, 2025. Disponível em: https://www.folhabv.com.br/educacao/rascunho-automatico-6-mec-definiu-medidas-para-uso-de-celulares-em-sala-de-aula/. Acesso em: 25 mar. 2025.
José Antônio Lucindo da Silva – CRP: 06/172551
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