Entre a Euforia e o Desespero: A Sociedade do Doomscrolling e o Fascínio pela Tragédia
Introdução
Vivemos em tempos onde a informação é acessível e incessante. Se por um lado a democratização da comunicação nos permite acesso rápido aos acontecimentos do mundo, por outro, a forma como absorvemos essas informações afeta diretamente nossa percepção da realidade e nossa saúde mental. No Brasil, há um fenômeno curioso: o país parece entrar em um estado de suspensão durante o Carnaval, como se a realidade estivesse em pausa, aguardando o fim da festa para retomar seu curso habitual. No entanto, assim que os confetes tocam o chão, a enxurrada de manchetes retorna, e a sensação de um novo ciclo se inicia. Mas será que realmente há algo novo? Ou estamos apenas presos a uma narrativa que se repete indefinidamente?
Neste artigo, exploraremos como o fascínio pela tragédia, amplificado pelo consumo incessante de notícias, molda nossa forma de interpretar o mundo. Investigaremos o impacto do doomscrolling, a repetição de ciclos históricos de atração pelo sofrimento e os desafios de lidar com esse excesso de informação em uma sociedade hiperconectada.
A Predileção Humana pela Tragédia
A atração pelo sofrimento alheio não é uma novidade da era digital. Na Idade Média, execuções públicas eram eventos que reuniam multidões, alimentando um espetáculo macabro que misturava punição e entretenimento. De maneira semelhante, no século XXI, assistimos a tragédias em tempo real, impulsionados por algoritmos que amplificam aquilo que gera mais engajamento.
Estudos sobre o viés negativo mostram que eventos ruins têm um impacto mais profundo em nossa psique do que os positivos. Essa tendência evolutiva, possivelmente desenvolvida como mecanismo de sobrevivência, faz com que prestemos mais atenção aos riscos e perigos ao nosso redor. Hoje, no entanto, essa sensibilidade ao negativo não se limita à autopreservação, mas se tornou uma mercadoria explorada por veículos de mídia e plataformas digitais.
Com isso, surgem fenômenos como o doomscrolling, termo que se refere ao hábito de consumir notícias ruins de forma compulsiva, mesmo sabendo que isso pode ser prejudicial. Essa prática, além de aumentar os níveis de ansiedade e estresse, reforça a percepção de que o mundo está em constante colapso, levando muitos a um estado de apatia e desamparo.
A Informação Como Produto e o Ciclo da Desinformação
No Brasil, é comum ouvir que "o país só começa a funcionar depois do Carnaval". Mas o que isso realmente significa? Será que há uma mudança concreta, ou apenas uma ilusão coletiva alimentada pela forma como os ciclos de informação são estruturados?
A verdade é que notícias não são apenas um meio de informar, mas um produto. Para manter a atenção do público, os veículos de comunicação precisam gerar impacto, o que leva à priorização de manchetes alarmantes. Como resultado, há uma ênfase excessiva em eventos trágicos, reforçando a sensação de instabilidade e urgência contínua.
Além disso, as redes sociais amplificam esse fenômeno ao criar bolhas de informação, onde cada indivíduo recebe um recorte específico da realidade baseado em seus interesses e comportamentos anteriores. Essa dinâmica não apenas reforça crenças preexistentes, mas também cria uma sensação de que a crise é permanente e inescapável.
Como Romper Esse Ciclo?
Se estamos constantemente expostos a informações negativas e manipuláveis, como podemos filtrar o que realmente importa? Algumas estratégias podem ajudar a reduzir o impacto dessa enxurrada de más notícias:
1. Consumo crítico de informação: questionar a origem, intenção e impacto das notícias antes de absorvê-las como verdade absoluta.
2. Limitar o tempo de exposição: estabelecer horários específicos para se informar evita o consumo excessivo e a ansiedade associada.
3. Equilibrar fontes de informação: buscar notícias positivas e soluções para problemas, e não apenas o problema em si.
4. Valorizar a experiência concreta: conectar-se à materialidade, ao invés de viver exclusivamente no campo discursivo, pode ajudar a reduzir a sensação de alienação e impotência.
Considerações Finais
A era digital transformou nossa relação com a informação, tornando-a ao mesmo tempo acessível e opressiva. O Carnaval pode até marcar um "novo começo" na estrutura simbólica do país, mas a realidade não espera por festas nem calendários.
Se o espetáculo da tragédia continua a nos fascinar, é preciso refletir: consumimos essas narrativas por necessidade ou por hábito? Será que essa busca incessante pelo negativo não nos aprisiona mais do que nos informa?
Ao invés de sermos apenas espectadores passivos desse grande teatro do caos, talvez seja o momento de assumirmos um papel mais ativo na forma como lidamos com a informação. A realidade pode não ser tão simples quanto gostaríamos, mas cabe a nós decidir se seremos reféns das manchetes ou protagonistas da nossa própria compreensão do mundo.
Referências:
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
CIORAN, Emil. Breviário da Decomposição. São Paulo: Rocco, 2011.
FREUD, Sigmund. O Mal-estar na Civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
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