A Geração Z entre o desempenho e o colapso psíquico
Não posso negar que, às vezes, me pego rindo amargamente ao ler manchetes entusiasmadas que estampam: “Geração Z é mais ambiciosa que os Millennials”. A pergunta que me invade — quase como um assombro — é simples: será mesmo que essa ambição é escolha? Ou seria mais uma sentença mascarada de virtude?
Ambição, hoje, parece menos sobre desejar e mais sobre sobreviver. Ao menos para essa geração nascida sob a égide dos algoritmos e da lógica do desempenho. A tal ambição que a pesquisa aponta soa mais como um desespero mal disfarçado — uma necessidade de provar o tempo todo que se está fazendo algo, produzindo algo, sendo alguém. É curioso... na ânsia de serem mais que os Millennials, talvez esses jovens sejam apenas mais vítimas de um sistema que os devora pela boca grande da performance.
Byung-Chul Han já me alertava — como se sussurrasse da contracapa — que o sujeito contemporâneo não tem mais um patrão: ele mesmo se chicoteia, se explora, se esgota. A velha fábrica foi trocada por um feed infinito. E se o salário já era pouco, agora o pagamento é em likes — voláteis, líquidos, descartáveis.
O irônico é que a positividade reina. É proibido fracassar. É proibido não querer. E é proibido, sobretudo, parar. Freud, se estivesse por aqui, gargalharia com o tamanho do mal-estar que a civilização nos trouxe. Afinal, recalcar o desejo virou pouco. Agora recalca-se o fracasso, a dor, a pausa. E, claro, o luto — como bem diria Fédida. Não há mais tempo para luto quando se vive em tempo real.
Me pergunto onde essa ambição vai parar. Talvez no consultório, entre crises de ansiedade, depressões graves e a já velha conhecida ideação suicida. Porque, no final, a conta não fecha: o discurso da potência esconde a impotência, e o que era para ser um futuro brilhante vira o abismo da depressividade.
Cioran já dizia — com sua fina ironia — que o excesso de lucidez conduz ao desespero. E cá estamos nós, lúcidos, conscientes, medíocres... e desesperados. A Geração Z não é ambiciosa. É uma geração encurralada, que vive o pânico de não ser vista, de não performar, de não dar conta.
O que chamam de ambição eu chamo de condenação. Uma condenação a existir apenas enquanto produto. Enquanto for útil. Enquanto render. A pergunta que fica, e que me atravessa, é: até quando vamos suportar essa engrenagem? Até quando a vida será medida em curtidas e a morte, um post de luto com a legenda “você foi luz”?
Ironias à parte, talvez resistir hoje seja menos sobre vencer e mais sobre aceitar o fracasso. Aceitar que o vazio existe e que o desejo não cabe no algoritmo.
José Antônio Lucindo da Silva – CRP 06/172551
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
FÉDIDA, Pierre. O luto originário. São Paulo: Escuta, 1999.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
CIORAN, Emil. Breviário de decomposição. São Paulo: Rocco, 2003.
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
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