A Substituição Final: O Humano Como Descartável na Era da Automação Total
Acompanhei recentemente a notícia de que uma fábrica de automóveis na China está operando exclusivamente com robôs humanoides. A Zeekr, em parceria com a UBTECH, implementou uma linha de produção onde máquinas interagem entre si por meio de uma inteligência coletiva, eliminando a necessidade de trabalhadores humanos. Esse evento, que poderia ter sido um delírio futurista há algumas décadas, é hoje um fato material. E, para além da tecnologia envolvida, essa mudança expõe algo que já venho refletindo há tempos: a inevitável obsolescência do ser humano dentro de uma lógica de mercado que não distingue o humano da máquina, exceto pelo fator de custo e eficiência.
O que mais me chama a atenção não é a automação em si—pois isso já era previsível—mas sim o que isso significa para os discursos identitários que dominaram a esfera pública nos últimos anos. Sempre vi a cultura woke e outros movimentos de inclusão como algo paradoxal. Por um lado, essas ideologias reivindicam espaço para grupos historicamente marginalizados, mas, por outro, fazem isso dentro de uma lógica de mercado que apenas absorve essas demandas como mais um nicho de consumo. Nunca se tratou realmente de justiça social ou reconhecimento humano, mas sim da mercantilização da identidade. Se a representatividade é um produto, então ela pode ser descartada assim que não for mais rentável. E agora, com a chegada da automação total, essa irrelevância pode estar mais próxima do que se imagina.
Se o discurso da inclusão foi útil ao mercado para vender diversidade como um diferencial, o que acontece quando a diversidade deixa de ser necessária? Afinal, robôs não têm etnia, gênero, classe social ou reivindicações por direitos. Eles não exigem salários, não fazem greves e não entram em disputas ideológicas. São, na prática, o sonho de qualquer grande corporação: trabalhadores absolutamente eficientes, sem margem para conflitos. O humano, que antes brigava por reconhecimento dentro da lógica de mercado, agora se vê diante da sua completa dispensabilidade.
Há algum tempo venho refletindo sobre a relação entre trabalho, consumo e tecnologia, e sempre me intrigou o fato de que muitos defendem a ideia de que a revolução tecnológica traria liberdade. Mas liberdade para quem? O que vejo é que a automação não libertará ninguém, mas apenas tornará o humano descartável. A tecnologia não vem para nos salvar, mas para nos substituir. Não há mais espaço para uma narrativa romântica onde o progresso beneficia a todos. O que estamos vendo é um realinhamento estrutural onde até as pautas sociais, que pareciam tão essenciais, podem ser varridas para debaixo do tapete assim que deixarem de ser economicamente vantajosas.
O mercado sempre absorveu as demandas sociais para continuar operando sem abalos. O discurso woke serviu ao capital enquanto era útil para gerar engajamento e novas formas de consumo. Mas agora, com a possibilidade de substituir completamente os trabalhadores, não há mais necessidade de manter essa encenação. A diversidade, que era um ativo valorizado no marketing corporativo, se torna irrelevante quando o próprio ser humano se torna irrelevante.
A ironia final é que aqueles que mais bradaram por mudanças e inclusão dentro do sistema agora podem se ver completamente excluídos dele. Lutaram para serem reconhecidos como parte de uma engrenagem que, no fundo, nunca precisou deles. O mercado apenas jogou o jogo enquanto foi conveniente, mas agora mostra sua verdadeira face: a de um sistema que não precisa de humanos quando máquinas podem fazer o trabalho com mais precisão, menos custos e sem resistência.
Diante disso, surge a pergunta inevitável: o que acontece com a sociedade quando o próprio ser humano se torna obsoleto? Se antes a luta era pelo reconhecimento dentro do sistema, agora o desafio será simplesmente continuar existindo em um mundo onde o trabalho humano já não tem lugar. O que será do sujeito que não pode mais se justificar pelo seu papel produtivo?
Talvez estejamos vendo o prenúncio de uma nova forma de exclusão, onde nem mesmo o discurso salva. Pois, se tudo é mercadoria, inclusive a identidade, o que resta quando não há mais comprador para essa mercadoria?
Referências
1. Quatro Rodas. (2025). Zeekr coloca fábrica para operar só com robôs humanoides. Disponível em: https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/zeekr-coloca-fabrica-para-operar-so-com-robos-humanoides.
2. O Globo. (2025). Pensam e cooperam: empresa chinesa lança primeira fábrica de automóveis operada por robôs humanoides. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/03/08/pensam-e-cooperam-empresa-chinesa-lancar-primeira-fabrica-de-automoveis-operada-por-robos-humanoides.ghtml.
3. Portuguese News Xinhua. (2024). FAW-Volkswagen e UBTECH avançam na robótica industrial para produção automotiva. Disponível em:
https://portuguese.news.cn/20240703/87ad39ccc53d4eb8955f84e95777447b/c.html.
4. Reuters. (2025). China’s Xpeng may invest up to 13.8 billion in humanoid robots. Disponível em:
https://www.reuters.com/technology/chinas-xpeng-may-invest-up-138-billion-humanoid-robots-state-media-reports-2025-03-11.
5. Byung-Chul Han. (2014). Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Editora Vozes.
6. Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. New York: PublicAffairs.
7. Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar.
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