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A Anestesia do Sofrimento e a Ilusão do Controle: Reflexões sobre Angústia, Desejo e Discursividade

A Anestesia do Sofrimento e a Ilusão do Controle: Reflexões sobre Angústia, Desejo e Discursividade



Por José Antônio Lucindo da Silva
CRP:06/172551
joseantoniolcnd@gmail.com
#maispertodaignorancia

Neste vídeo a fala de Ana Suy propõe um deslocamento essencial no modo como experienciamos a angústia e o prazer. Em um tempo dominado pela lógica da otimização e do desempenho, onde a dor e a frustração são tratadas como falhas a serem eliminadas, o discurso da psicanálise aparece como uma afronta: se é para sofrer, sofra. Se é para se angustiar, que a angústia se imponha. Mas será que ainda sabemos sofrer? Ou fomos tão bem treinados a anestesiar qualquer tensão que a angústia, quando aparece, nos paralisa em um pavor sem forma e sem nome?

A tentativa contemporânea de evitar o sofrimento não é apenas um traço da sensibilidade individual, mas um efeito de uma discursividade mais ampla, na qual as emoções são mercantilizadas e geridas como produtos que precisam estar sempre dentro de uma margem aceitável. Já não se trata apenas de desejar, mas de consumir experiências prontas que prometem prazer sem custo emocional. A angústia, nesse contexto, se torna um sintoma de algo que precisa ser corrigido. Mas o que acontece quando ela não pode ser eliminada? Quando a espera por uma resposta, o desejo por algo incerto, ou mesmo o simples fato de existir sem garantias seguras se impõem como partes inevitáveis da experiência?

O problema não está na angústia em si, mas na nossa relação com ela. Como já discuti anteriormente, o desejo não é uma demanda, e sua estrutura não obedece às regras do mercado. Freud já apontava que o desejo é da ordem da falta, daquilo que nos move e nos mantém vivos. Mas, em uma sociedade que confunde prazer com ausência de sofrimento, tudo que aponta para a falta se torna insuportável. Assim, buscamos preencher essa falta com promessas de segurança emocional, discursos de autoajuda e soluções instantâneas que mais servem para mascarar do que para elaborar.

Byung-Chul Han observa que o excesso de positividade e o culto à transparência emocional criam um novo tipo de sofrimento: aquele da hiperexposição e da obrigação de estar sempre bem. A depressividade que Fédida menciona se conecta a essa impossibilidade de elaborar a perda, pois a própria estrutura social exige que estejamos sempre prontos para o próximo passo, para a próxima validação discursiva. Não há tempo para o luto, para a incerteza, para a dúvida legítima. E, se a dúvida é negada, o que sobra? Apenas um desespero mudo, incapaz de se transformar em experiência.

Nesse ponto, a reflexão de Cioran se faz presente: e se a angústia for a única coisa realmente autêntica que nos resta? A tentativa de eliminá-la seria, então, uma tentativa de eliminar a própria condição humana. Mas não há saída. Qualquer tentativa de escapar da angústia apenas a desloca para outro lugar, tornando-a ainda mais insidiosa. O ciclo se repete porque, como já discuti, não há como sair do discurso sem cair em outro discurso. O que chamamos de "vida real" já está mediada pela discursividade, e essa discursividade nos empurra para um ideal de felicidade que, na verdade, apenas reforça a impossibilidade de estar plenamente satisfeito.

O que resta, então? Talvez a única resposta possível seja aceitar que não há resposta definitiva. Que a angústia, o desejo e a falta não são problemas a serem resolvidos, mas condições que nos constituem. A psicanálise, ao propor que se sofra quando há sofrimento e que se angustie quando há angústia, não está glorificando a dor, mas apenas reconhecendo que a vida não pode ser reduzida a um fluxo contínuo de bem-estar fabricado. Resistir à anestesia não significa buscar sofrimento gratuitamente, mas permitir que o real nos atravesse, com tudo o que isso implica.

E se a liberdade que tanto buscamos estiver justamente na capacidade de não fugir da angústia? E se o maior problema não for sofrer, mas sim a tentativa constante de evitar o sofrimento a qualquer custo? A resposta, se houver, não está na eliminação da angústia, mas na forma como escolhemos enfrentá-la. Ou, talvez, na coragem de simplesmente admitir que não há controle absoluto sobre o que sentimos.


🔗 Do Vídeo 

https://www.instagram.com/reel/DHMES1IRBqE/?igsh=MThjMGJrNTZwNHdqeQ== 

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