Pensar Fora da Caixa: O Grande Truque da Autoexploração
Eu me lembro da primeira vez que ouvi a expressão "pensar fora da caixa". Foi em uma reunião qualquer, onde um sujeito de terno bem ajustado, sorriso ensaiado e um PowerPoint carregado de gráficos coloridos nos explicava que o segredo do sucesso era abandonar velhos padrões e inovar. "Precisamos de um novo mindset!", dizia ele com a empolgação de quem parece ter descoberto a pólvora, mas, na verdade, só reciclava palavras gastas. Anos depois, percebo que a caixa continua firme e forte, e a única coisa que realmente saiu dela foram as palavras que um dia pareciam revolucionárias, agora transformadas em ruído branco corporativo.
O curioso é que, apesar de toda essa pregação sobre inovação, ninguém quer realmente que você pense fora de qualquer caixa. O que se espera é um conformismo envernizado, um discurso reciclável que se encaixe perfeitamente no jogo do mercado. Afinal, a criatividade tem limites bem definidos quando o objetivo final continua sendo maximizar resultados e reduzir custos. Querem que eu seja inovador, mas dentro dos parâmetros que eles já estabeleceram. A caixa nunca foi aberta, só foi pintada de uma cor mais vibrante para parecer nova.
Esse fenômeno me faz pensar na lógica do desempenho e da positividade descrita por Byung-Chul Han. Na era do hipertrabalho e da autoexploração, a linguagem se tornou um dispositivo de controle. Expressões como "sinergia", "foco no cliente" ou "entregar valor" são apenas maneiras sutis de transformar cada trabalhador em um microempreendedor de si mesmo, sempre motivado, sempre produtivo, sempre insatisfeito. Se não estou crescendo, evoluindo, otimizando minha performance, a culpa é minha. Preciso me reinventar! O fracasso, afinal, não é estrutural, é individual. Que conveniente.
Mas há algo ainda mais perverso nesse jogo: o desgaste das palavras e a velocidade com que são descartadas. Antigamente, um conceito levava séculos para se esgotar; hoje, leva um trimestre fiscal. O próprio mercado já percebeu que o uso excessivo desses jargões começa a gerar uma resistência cínica. "Ah, lá vem mais um guru corporativo falar de mindset!" – penso, enquanto finjo interesse para evitar represálias. Mas é exatamente essa resistência que alimenta o ciclo: os termos desgastados são substituídos por novos clichês, tão vazios quanto os anteriores, e seguimos girando na engrenagem da inovação de faz de conta.
Talvez essa obsolescência programada do discurso seja um reflexo da nossa ansiedade contemporânea. Estamos presos a um ritmo que não nos permite elaborar nada, pois tudo precisa ser digerido e descartado rapidamente. Fédida falava da depressividade como essa incapacidade de lidar com a perda e o luto, algo que vejo claramente nessa dinâmica do mercado. Não há tempo para reflexão, só para atualização constante. É como um aplicativo que precisa de novas versões para continuar funcionando, mesmo que a experiência do usuário continue essencialmente a mesma.
E o mais irônico disso tudo? Se amanhã um novo consultor aparecer com um termo ainda mais ridículo para substituir "pensar fora da caixa", eu provavelmente vou ouvir, acenar e fingir que faz sentido. Porque no fim das contas, meu trabalho não é inovar, criar ou sequer pensar. Meu trabalho é continuar girando essa roda de hamster corporativa, mantendo a ilusão de que um dia, quem sabe, eu realmente estarei fora da caixa. Mas, honestamente? Acho que nem abriram a tampa.
Fonte:
https://editalconcursosbrasil.com.br/noticias/2025/02/pensar-fora-da-caixa-e-outros-jargoes-que-ja-nao-fazem-mais-sentido-no-mercado-de-trabalho/
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