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Fique em Casa, Mas Não Muito – O Paradoxo do Medo e da Liberdade

Fique em Casa, Mas Não Muito – O Paradoxo do Medo e da Liberdade



Introdução: A Nova Ordem do Bem-Estar

Acordei hoje com uma notícia chocante: um ciclista foi baleado e morto em frente ao Parque do Povo, em São Paulo. Que tragédia inesperada! Afinal, quem poderia imaginar que um espaço público, projetado para o lazer e o bem-estar da população, poderia ser palco de um assassinato? O choque é tão grande quanto a descoberta de que a água molha.

Mas o que realmente impressiona não é a morte em si – porque sejamos honestos, isso não é novidade. Não é a primeira vez que alguém morre por um celular, um par de tênis ou simplesmente pelo azar de estar no lugar errado na hora errada. O que impressiona é o espanto seletivo que a mídia e as redes sociais demonstram. Parece que há uma memória fraca e uma ingenuidade bem conveniente para que a narrativa do medo continue funcionando.

Enquanto as manchetes gritam "Ciclista assassinado brutalmente!" e os comentaristas se revezam entre lamentações hipócritas e culpabilização da vítima – "Mas por que ele saiu com um celular caro?" –, ninguém se atreve a questionar o óbvio: o Estado falhou, de novo.

Mas espere! O Estado já tem a solução perfeita para esse problema: fique em casa.

Segurança Pública? Que Nada, Fique em Casa!

A lógica da segurança pública agora funciona como um ótimo programa de fidelidade: quanto mais medo você sente, mais tempo você passa dentro de casa, engajado nas redes, consumindo conteúdo, trabalhando remotamente e garantindo que a máquina continue girando sem a necessidade de uma intervenção real do Estado. O discurso é simples: se você tem medo, a culpa não é da falha estrutural do sistema, mas da sua imprudência ao se expor à violência.

Afinal, quem mandou sair para pedalar? Quem mandou levar um celular? Quem mandou confiar na Constituição e em seu direito de ir e vir? Que ingenuidade absurda! Sejamos realistas, liberdade é um conceito meramente teórico, e a segurança é apenas uma ilusão bem vendida quando há eleições pela frente.

O problema é que o medo tem um efeito colateral: ele não gera apenas reclusão, mas também passividade. Quando o cidadão médio começa a internalizar que a cidade não é segura, que os espaços públicos são zonas de guerra e que a qualquer momento ele pode ser a próxima estatística, ele para de exigir mudanças. O discurso oficial é reforçado: o problema não é a segurança pública falida, mas sim sua insistência em querer viver fora da bolha digital.

O "Bem-Estar" da Era Digital – Um Convite à Prisão Voluntária

Agora, vamos falar de "bem-estar". Ah, a palavra mágica dos discursos políticos, das palestras de autoajuda e das propagandas de margarina. O bem-estar, na era digital, não tem nada a ver com liberdade real, experiências concretas ou uma cidade segura. Ele se resume a cuidar da sua saúde mental dentro da sua casa, fazer exercícios físicos com um personal online, consumir conteúdos sobre "vida saudável" enquanto você passa mais tempo na frente da tela.

O espaço público? Bom, esse já não é mais seu. Se você quiser correr, pedalar ou caminhar, melhor assinar um serviço de realidade virtual. Compre um óculos VR, pedale no conforto da sua sala e finja que o parque é seguro. No futuro, quem sabe, você poderá até fazer um piquenique com amigos virtuais enquanto a segurança pública do lado de fora se deteriora ainda mais.

Parece absurdo? Não tanto. A realidade já caminha para isso, e o medo é o grande aliado desse processo. Como apontam Byung-Chul Han (2015) e Zygmunt Bauman (2017), a lógica do controle social moderno não precisa mais de repressão explícita. Agora, basta criar um ambiente onde as pessoas aceitam sua própria reclusão como a única alternativa viável.

O Grande Paradoxo do Tempo Livre

Ah, mas tem um detalhe importante: a pauta progressista das últimas décadas insiste na necessidade de redução da carga horária de trabalho. O discurso é lindo: "Menos trabalho, mais tempo para curtir a vida!" A questão é: curtir aonde, exatamente?

A promessa de mais tempo livre é uma farsa quando a estrutura material da cidade não permite que esse tempo seja aproveitado. De que adianta um trabalhador remoto ter um expediente reduzido se ele está preso em casa pelo medo de ser assassinado por um celular? O espaço público foi destruído, mas ninguém fala disso. A solução proposta é transformar tudo em experiências digitais, esvaziando ainda mais o sentido da vivência real.

Aí está o paradoxo: o Estado diz para você trabalhar menos, mas não oferece nenhum espaço seguro para você existir fora do ciberespaço. O resultado? Você continua trancado, alienado, e mais dependente do consumo digital do que nunca.

Conclusão: O Medo Como Estratégia de Controle

Sejamos honestos: esse modelo de sociedade está muito bem estruturado. O medo e a insegurança pública não são falhas do sistema – são características essenciais dele. Quando o Estado falha em fornecer segurança, ele não fracassa, ele cumpre um papel muito bem orquestrado: desestimular a presença do cidadão no espaço público, confiná-lo em casa e garantir que ele continue consumindo sem questionar.

O caso do ciclista morto é mais um exemplo da hipocrisia desse modelo. As manchetes vão repercutir, os comentários nas redes sociais vão se dividir entre lamentação e culpa da vítima, e no final... nada vai mudar. Porque mudar significaria mexer na raiz do problema: o Estado não está aqui para garantir a sua liberdade, mas para administrar o seu medo.

E assim seguimos, acreditando que a segurança pública é responsabilidade individual e que a única forma de evitar a violência é abrir mão da vida lá fora. Afinal, qual é a melhor forma de manter o controle sobre uma população? Fazê-la acreditar que está escolhendo sua própria prisão.

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Lisboa: Relógio D’Água, 2015.

ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.

https://www.suno.com.br/noticias/ciclista-morto-parque-do-povo-gss/

Ciclista é morto nos arredores do Parque do Povo, em São Paulo – Suno Notícias

Link: https://www.suno.com.br/noticias/ciclista-morto-parque-do-povo-gss/



2. Ciclista é morto a tiros durante assalto em frente ao Parque do Povo em São Paulo – Jovem Pan

Link: https://jovempan.com.br/noticias/brasil/ciclista-e-morto-a-tiros-durante-assalto-em-frente-ao-parque-do-povo-em-sao-paulo.html



3. Parque do Povo: Saiba onde fica, onde ciclista foi morto – Poder360

Link: https://www.poder360.com.br/poder-brasil/saiba-onde-fica-o-parque-do-povo-onde-ciclista-foi-morto/




Vídeos:

1. Câmera mostra momento em que ciclista é morto no Parque do Povo, em SP – Band

Link: https://www.band.uol.com.br/noticias/bora-brasil/videos/camera-mostra-momento-em-que-ciclista-e-morto-no-parque-do-povo-em-sp-17323405



2. Ciclista é morto durante assalto em frente ao Parque do Povo – Poder360

Link: https://www.poder360.com.br/seguranca-publica/ciclista-e-morto-a-tiros-em-assalto-na-zona-oeste-de-sp/



3. Ciclista é morto em assalto em São Paulo | Jornal da Band – YouTube

Link: https://www.youtube.com/watch?v=VeyZm7grOvY






José Antônio Lucindo da Silva CRP:06/172551
joseantoniolcnd@gmail.com
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