As redes sociais, essa maravilha da modernidade, são como um parque de diversões para egos carcomidos pelo tédio e pela ansiedade. Criamos perfis cuidadosamente editados, repletos de fotos sorridentes, corpos esculpidos por filtros e legendas inspiradoras que até Sêneca teria vergonha de assinar. Tudo isso para quê? Para sublimar, por mais alguns segundos, a dor de sermos aquilo que somos: criaturas condenadas a desaparecer sob o peso do próprio tempo.
O Alter Ego Digital: Um Fracasso Esteticamente Agradável
Nas redes, todos somos a melhor versão de nós mesmos, ou pelo menos tentamos ser. Criamos um alter ego digital que é jovem, belo, sarado e sempre feliz. Mas, como no filme A Substância (2024), cada curtida e cada compartilhamento é uma injeção de prazer que lentamente consome o "eu-matriz", aquele ser imperfeito que habita o lado obscuro da existência.
A ironia é cruel: o alter ego digital, ao mesmo tempo que promete eternizar a nossa juventude simbólica, consome a autenticidade do ser. A verdadeira decomposição não acontece no corpo, mas na alma que, lentamente, se esvazia sob o peso da superficialidade e do desejo de validação.
A Ditadura do Agora: Quando o Tempo Se Torna o Pior Carrasco
O tempo, nas redes, não é mais um fluxo natural. Ele se tornou um ciclo implacável de atualizações e notificações. Cada minuto sem uma interação é um lembrete cruel de que você está se tornando obsoleto. Cioran diria que não há nada mais humilhante do que o silêncio digital, essa forma moderna de ostracismo.
O paradoxo é evidente: em uma sociedade onde o tempo é acelerado pelo fluxo constante de informação, a verdadeira ansiedade vem da incapacidade de acompanhá-lo. As redes sociais prometem conectar, mas o que realmente fazem é acelerar o processo de isolamento e alienação.
A Estética do Vazio: Likes Como Cédulas de Existência
Vivemos em um mundo onde um post sem likes é um fracasso existencial. Se Cioran estivesse vivo, certamente escreveria um aforismo do tipo: "Nunca estivemos tão conectados, e nunca fomos tão invisíveis." Cada curtida é uma confirmação efêmera de que existimos, um pequeno alento para o ego fragilizado pela indiferença universal.
Mas o que é essa validação senão um simulacro? O prazer de um like é tão fugaz quanto um suspiro, e a necessidade de mais reconhecimento se torna um ciclo vicioso. A satisfação é breve, e a ausência de interação é interpretada como um sinal inequívoco de fracasso pessoal.
A Economia do Desespero: O Capitalismo das Emoções
As redes não apenas alimentam a vaidade, mas também transformam a dor em mercadoria. A ansiedade, a tristeza e até mesmo o desespero são convertidos em produtos de consumo. É o capitalismo das emoções em sua forma mais pura.
Influenciadores digitais vendem a ilusão de que a felicidade está a uma compra de distância, enquanto o verdadeiro drama existencial é enterrado sob camadas de discursos motivacionais e fotos de paisagens exóticas. Cioran, com seu pessimismo refinado, provavelmente riria dessa tentativa desesperada de monetizar a miséria humana.
A Morte do Diálogo: Quando a Discursividade é Reduzida a Slogans
Nas redes, o diálogo genuíno foi substituído por slogans, hashtags e frases de efeito. A complexidade do pensamento foi sacrificada em nome da simplicidade viral. O que importa não é a profundidade, mas a capacidade de ser compartilhado.
O resultado é um empobrecimento do discurso, uma superficialidade que mascara a verdadeira pobreza intelectual de nossa época. Cioran, que via na linguagem uma ferramenta tanto de expressão quanto de autoengano, enxergaria nas redes sociais a prova definitiva de que a humanidade perdeu a capacidade de pensar com profundidade.
A Farsa da Autenticidade: Ser ou Parecer Ser?
Vivemos na era da autenticidade performática. Todos querem ser "reais", mas a própria busca pela autenticidade é filtrada pelas expectativas alheias. Nas redes, ser autêntico significa parecer autêntico para um público que espera um certo tipo de autenticidade.
Cioran, mestre da ironia trágica, entenderia essa contradição como a prova final de nossa decadência espiritual. Somos prisioneiros de um teatro interminável, onde o medo de ser irrelevante supera qualquer desejo de ser verdadeiro.
Conclusão: A Celebração da Decomposição
No fim, as redes sociais são apenas o espelho mais fiel da nossa decomposição interna. Elas não criaram o vazio existencial, apenas o tornaram visível em tempo real. Cioran, com seu ceticismo implacável, veria nisso não uma tragédia, mas uma piada cósmica de gosto duvidoso.
A verdadeira ironia é que, mesmo sabendo de tudo isso, continuaremos rolando a tela, buscando aquela próxima notificação que nos lembrará, por um instante efêmero, de que ainda existimos.
Referências:
Cioran, Emil. Breviário de Decomposição. Companhia das Letras, 2019.
Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Imago, 2010.
Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Vozes, 2015.
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Zahar, 2001.
Fargeat, Coralie. A Substância (2024). Filme.
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José Antônio Lucindo da Silva
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