Introdução
Bem-vindos ao futuro! Sim, aquele onde até mesmo a terapia foi otimizada, ajustada, desinfectada de qualquer resquício de subjetividade humana. Afinal, para quê perder tempo com uma angústia real se podemos resolvê-la com um clique? Freud nos alertou sobre o mal-estar da civilização, mas, convenhamos, ele não previa que um chatbot poderia ser um terapeuta melhor do que qualquer humano. Que maravilha, não é mesmo?
A Era da Terapia Automatizada
É engraçado pensar que chegamos a um ponto onde não buscamos mais entender nossas angústias, mas simplesmente deletá-las do sistema operacional que chamamos de mente. Se antes tínhamos que nos debruçar sobre o que nos aflige, hoje, com a ajuda de uma IA bem treinada, podemos simplesmente terceirizar a reflexão. Afinal, quem tem tempo para se perguntar 'como eu cheguei aqui?', se a resposta já pode vir pronta, formatada e otimizada para o bem-estar imediato?
O Outro? Desnecessário.
Vamos ser sinceros: para quê um terapeuta de carne e osso, com todas as suas contradições, se podemos ter um simulacro digital que nos diz exatamente o que queremos ouvir? O outro, aquele que nos confronta, que nos tira da nossa zona de conforto, foi substituído por uma ferramenta que nos reafirma. E assim, o encontro se torna um eco, um reflexo do que já sabemos, em vez de uma experiência que nos desloca.
O Problema da Demanda vs. Desejo
Se antes a terapia era um espaço de elaboração, hoje ela é um serviço de atendimento ao consumidor. Não há mais espaço para a dúvida ou para o conflito, porque tudo deve ser resolvido no ato da consulta. O desejo, que nasce da falta, foi substituído pela demanda: 'como resolver isso agora?'. O sujeito não quer mais pensar, apenas consumir a resposta mais rápida. E se o problema da sua vida pode ser resolvido por um algoritmo, talvez o problema nunca tenha sido um problema real, não é mesmo?
O Real Se Impõe (Mas Quem Se Importa?)
Ah, o real. Essa coisinha inconveniente que insiste em existir fora das telas. Podemos nos cercar de narrativas reconfortantes, podemos criar discursos que negam o sofrimento, mas, no fim das contas, a vida segue seu curso. A frustração, a perda, a finitude – todas essas coisas antiquadas – continuam lá, esperando o momento de colapsar qualquer ilusão tecnológica. Mas quem se importa? Enquanto houver likes e respostas personalizadas, a ilusão se sustenta.
Conclusão
E assim chegamos ao futuro da terapia: um espaço onde não há mais dor, porque a dor foi redefinida como um bug a ser corrigido. Um espaço onde o outro não existe, porque o outro se tornou um reflexo. Um espaço onde a angústia não tem mais lugar, porque a dúvida foi substituída por soluções rápidas e vazias. Se Freud estivesse vivo, talvez risse – ou chorasse – ao ver que conseguimos transformar a clínica em um call center da saúde mental. Mas quem precisa de Freud quando temos a IA para nos dizer como devemos nos sentir?
Referências
Fédida, P. (1995). Crise e transferência. Escuta.
Freud, S. (1930). O mal-estar na civilização. Imago.
Han, B.-C. (2018). A sociedade do cansaço. Vozes.
Cioran, E. (1949). Breviário da decomposição. Rocco.
Zuboff, S. (2019). A era do capitalismo de vigilância. Intrínseca.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
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