A Onda Tecnológica e o Fetiche do Inevitável: Uma Reflexão (Irônica) sobre o Determinismo Digital em "A Onda e o Maior Dilema do Século XXI"
A Onda Tecnológica e o Fetiche do Inevitável: Uma Reflexão (Irônica) sobre o Determinismo Digital em "A Onda e o Maior Dilema do Século XXI"
Resumo
Este artigo analisa criticamente o discurso determinista presente no prólogo do livro A Onda e o Maior Dilema do Século XXI (HASSABIS, 2024), que sugere que a ascensão da inteligência artificial (IA) e da biotecnologia é um processo inevitável e incontrolável. A partir de uma perspectiva irônica – porque, convenhamos, discutir tecnologia sem ironia seria um desperdício –, questiono a suposta inevitabilidade do progresso tecnológico e sua relação com a mercantilização da existência. Utilizo autores como Byung-Chul Han, Freud e Ernst Becker para argumentar que a tecnologia, longe de ser apenas um fenômeno espontâneo e autônomo, é moldada por interesses mercadológicos e estruturais. Por fim, reflito sobre o verdadeiro dilema do século XXI: não a IA em si, mas a nossa incapacidade de imaginar um mundo que não seja definido por sua lógica.
Palavras-chave: tecnologia, determinismo tecnológico, mercantilização, discurso, subjetividade.
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1. Introdução
Atenção, senhores passageiros! A onda da inovação chegou, e não há como escapar. Ou, pelo menos, é isso que nos dizem. O prólogo do livro A Onda e o Maior Dilema do Século XXI (HASSABIS, 2024) nos apresenta um mundo onde a tecnologia avança sem freios, onde a IA e a biotecnologia são forças imparáveis, e onde nos resta apenas escolher entre a submissão voluntária ou o colapso distópico. Ah, o doce conforto da inevitabilidade!
Mas eu, teimoso que sou, decidi questionar essa narrativa. Porque, afinal, será que essa onda realmente é uma catástrofe natural que simplesmente acontece? Ou será que, por trás dessa inevitabilidade, há um sistema discursivo que molda nossa percepção da tecnologia de maneira muito conveniente para certos interesses? Será que a IA é realmente uma entidade autônoma ou apenas um novo brinquedo mercadológico que, como qualquer outro, precisa se vender como revolucionário para justificar bilhões em investimentos?
A proposta deste artigo é justamente essa: explorar a tecnologia não como um fenômeno espontâneo, mas como um produto da lógica discursiva e mercadológica que regula nossa subjetividade. E, claro, fazer isso com a devida ironia, porque não há nada mais engraçado do que ver o "futuro inevitável" sendo moldado por CEOs e investidores de Wall Street.
2. A Tecnologia Como Discurso: Entre o Inevitável e o Mercantil
O prólogo insiste que a IA e a biotecnologia irão redefinir o mundo de maneiras que nem sequer conseguimos prever. Mas, curiosamente, os grandes beneficiados desse progresso já estão bem definidos: empresas de tecnologia, conglomerados farmacêuticos e fundos de investimento trilionários. Estranho, não? Se a onda é inevitável, como é que alguns já estão surfando nela enquanto outros mal conseguiram sair da areia?
Aqui entra Byung-Chul Han (2017), que nos alerta sobre como a tecnologia contemporânea não é apenas um conjunto de ferramentas neutras, mas um sistema que molda o próprio ser humano, transformando-o em uma peça funcional dentro da engrenagem digital. Se antes a tecnologia servia ao homem, hoje o homem se adapta à tecnologia, moldando suas relações, desejos e até sua identidade conforme as demandas do mercado.
Isso explica por que a IA não é apenas vendida como uma ferramenta útil, mas como uma necessidade absoluta. Porque, veja bem, se questionarmos essa narrativa, corremos o risco de perceber que a maior parte da tecnologia "indispensável" do século XXI não passa de uma sofisticada tática de marketing. Quer um exemplo? Lembra quando disseram que o metaverso seria o futuro da humanidade? Pois é.
3. O Determinismo Tecnológico e o Colapso da Subjetividade
O prólogo se apóia fortemente no determinismo tecnológico, ou seja, na ideia de que a tecnologia evolui de maneira autônoma e inevitável, sem que possamos influenciá-la. Mas Freud (2010) já nos ensinou que essa ideia de inevitabilidade não é muito diferente da neurose obsessiva: um mecanismo para evitar encarar a realidade do desejo. No caso, o desejo de controle absoluto sobre o outro.
Se observarmos bem, a IA não surge para "ajudar a humanidade" – essa é a desculpa romântica. O que realmente está acontecendo é a substituição da subjetividade pela funcionalidade. No espaço discursivo digital, não há mais espaço para contradições, erros ou dúvidas; tudo precisa ser eficiente, calculável e previsível. Como já refleti antes, a subjetividade humana sempre precisou da tensão do desejo para se elaborar, mas a IA vem para eliminar essa tensão e substituir o desejo pela demanda. O que isso significa? Simples: em vez de desejar algo, você será programado para consumir algo.
O filósofo sul-coreano Han (2021) descreve essa lógica como o fim do Eros. Se o desejo nasce da falta, e a tecnologia elimina a falta ao oferecer soluções instantâneas para tudo, então o que resta? Um vazio absoluto. Mas um vazio perfeitamente funcional e monetizável, é claro.
4. O Tempo e a Incapacidade de Resistência
Outro ponto crucial do prólogo é a ênfase na velocidade. "Precisamos agir agora", "o tempo está se esgotando", "o avanço é exponencial". Engraçado, não? Parece até slogan de Black Friday. Esse discurso da urgência não é apenas um alerta, mas uma forma de evitar qualquer resistência. Afinal, se tudo acontece rápido demais, quem tem tempo para refletir?
Como já refleti antes, vivemos numa era onde o pensamento foi sequestrado pela velocidade da informação. Não há mais espaço para contemplação, para dúvida ou para luto – tudo precisa ser imediato. E, claro, essa urgência é extremamente conveniente para aqueles que lucram com a aceitação passiva da tecnologia.
5. Conclusão: O Verdadeiro Dilema do Século XXI
Se há um dilema real no século XXI, ele não é sobre a IA ou a biotecnologia. O verdadeiro dilema é que nós já estamos tão imersos nessa lógica tecnológica que não conseguimos mais imaginar um mundo fora dela. Não é que não possamos conter a onda; é que já fomos programados para acreditar que não há alternativa.
E esse talvez seja o maior triunfo da IA: não o de substituir a inteligência humana, mas o de tornar o pensamento crítico obsoleto. Afinal, quem precisa pensar quando há um algoritmo que pode fazer isso por você?
Referências
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2017.
HAN, Byung-Chul. A morte do eros. Petrópolis: Vozes, 2021.
BECKER, Ernest. A negação da morte. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2021.
HASSABIS, Demis. A Onda e o Maior Dilema do Século XXI. Londres: Penguin Books, 2024.
José Antônio Lucindo da Silva
CRP: 06/172551
joseantoniolcnd@gmail.com
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