Eu começo esta reflexão com uma constatação simples, mas perturbadora: vivemos em um mundo onde ser é, cada vez mais, estar visível. E essa visibilidade não é gratuita, é uma moeda discursiva, um valor de troca. Afinal, quem é você se não for curtido? Quem é você se não for validado? Mas eis o paradoxo: vivemos no espaço onde tudo pode ser dito, desde que não desafie as métricas do engajamento, desde que esteja dentro do crivo do politicamente correto e, claro, desde que caiba nos moldes algorítmicos que definem o que é visível.
A notícia publicada pelo site IGN Brasil sobre a perda de habilidades da Geração Z, como a escrita manual e a capacidade de comunicação estruturada, reforça esse dilema. Um dado alarmante: 40% dos jovens perderam fluência na escrita manual após apenas um ano de foco exclusivo no digital. Isso é, para mim, mais do que um problema técnico. É um sintoma da própria lógica discursiva do ciberespaço. (IGN Brasil, 2024).
Jean Twenge, em seu livro iGen, já nos alertava para isso: essa geração, criada na hiperconexão e na hiperproteção, não conhece as contrariedades necessárias para a formação do pensamento crítico. Vivem num mundo onde a segurança é confundida com a eliminação do risco, e onde a crítica é substituída por discursos emotivos e polarizados. Um mundo onde se aprende mais a reagir do que a refletir.
E aqui estamos, num ciberespaço onde a crítica é quase uma impossibilidade. Não porque ela não exista, mas porque ela é absorvida, reciclada e diluída na própria lógica algorítmica. A tensão que Freud nos ensinou a valorizar – aquela que nasce do confronto com o outro – desaparece. No ciberespaço, quem é o outro? Um reflexo? Uma projeção? Ou apenas um dado em um fluxo incessante de validações efêmeras?
Byung-Chul Han, em sua obra A Sociedade do Cansaço, fala de como o excesso de positividade elimina a negatividade necessária para o pensamento crítico. E eu me pergunto: como pode haver crítica em um espaço onde a dúvida, a contrariedade e o desconforto são evitados a todo custo? Como construir um discurso que desafie a lógica do ciberespaço, se toda expressão está sujeita à validação numérica e às métricas do engajamento?
A resposta é simples, mas amarga: não pode. A crítica, como a conhecemos, está morrendo, engolida pelo mesmo sistema que promete liberdade discursiva. E antes que você me acuse de pessimismo, deixe-me ser irônico: talvez isso seja bom. Afinal, quem precisa de crítica quando se pode ter curtidas? Quem precisa de reflexão quando se pode simplesmente existir no fluxo contínuo do ciberespaço?
Mas, ainda assim, eu insisto: é preciso questionar. Não porque isso vá mudar algo, mas porque o próprio ato de questionar é uma forma de resistência. E se o ciberespaço é o trem que já partiu, então talvez a única forma de resistir seja não esquecer que, um dia, tínhamos mais do que curtidas – tínhamos dúvidas.
Referências Bibliográficas:
1. BYUNG-CHUL HAN. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
2. TWENGE, Jean. iGen: Por que as Crianças Superconectadas de Hoje Estão Crescendo Menos Rebeldes, Mais Tolerantes, Menos Felizes – e Completamente Despreparadas para a Vida Adulta. São Paulo: Contexto, 2018.
3. FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2011.
Referências de Notícias:
IGN Brasil. "Geração Z está perdendo uma habilidade que temos há 55 mil anos: 40% estão perdendo a fluência na comunicação escrita". Disponível em: IGN Brasil. Acesso em: 29 dez. 2024.
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@joseantoniolucindodasilva
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