Avançar para o conteúdo principal

"O Vazio Mercantilizado: Entre os Sonhos Roubados e o Espetáculo da Discursividade"



Introdução

A contemporaneidade nos legou um paradoxo fascinante e trágico: vivemos em um espaço onde "tudo é possível", mas onde o sonho — motor da criatividade e da sublimação humana — foi sequestrado pelo espetáculo mediático e pela lógica algorítmica. O que resta do sonho quando sua manifestação está condicionada pelas regras invisíveis de um sistema que dita não apenas o que pode ser dito, mas como deve ser dito? Este texto é uma ironia reflexiva sobre o esvaziamento da discursividade e a mercantilização de nossas subjetividades, ancorado na ideia de que as "verdades estão além das nossas próprias discursividades".

A Mercantilização do Sonho
Sonhar, outrora entendido como uma tensão criativa entre o desejo e a realidade, tornou-se uma commodity. Nas redes mediáticas, cada sonho é capturado, transformado em dados e oferecido de volta como produto. As possibilidades infinitas prometidas pelo espaço digital escondem, no entanto, um condicionamento involuntário. A liberdade de expressão é, na verdade, um jogo de espelhos, onde apenas o politicamente aceitável passa pelo crivo algorítmico. Aquilo que foge à norma é apagado, silenciado ou cancelado, criando uma narrativa paradoxal: enquanto somos incentivados a "ser livres", somos continuamente moldados e limitados por regras invisíveis.

O Palco do Politicamente Correto
O politicamente correto emerge como o novo alicerce do discurso digital, uma espécie de moralidade pública algoritmizada. Essa moralidade, porém, não busca a convivência harmônica, mas o controle de narrativas. A materialidade da maldade — aquilo que nos confronta na relação direta com o outro — foi substituída por julgamentos performáticos. Nas redes, somos todos juízes, promotores e condenados. O palco de julgamento digital, amplificado pelas massas, torna a verdade irrelevante. O que importa é a validação imediata e o lucro que ela pode gerar.

O Que Resta de Humano?
Se o sonho foi roubado e a liberdade é uma ilusão, o que resta de humano? Talvez, como já mencionado, reste apenas a consciência do vazio. Mas mesmo essa consciência é mercantilizada. O discurso crítico, que deveria ser uma resistência, é transformado em produto. Estamos presos em um ciclo onde questionar o sistema não o enfraquece, mas o fortalece. Afinal, até o ato de resistir se tornou uma funcionalidade do sistema.

O Vazio e a Solidão a Dois

A solidão, espaço outrora reservado para o encontro consigo mesmo, foi invadida pela hiperconexão. "Estar sozinho" hoje é uma experiência que exige a presença de outro, mesmo que seja a presença ilusória de um algoritmo ou de uma interação digital. A solidão a dois, como paradoxo, reflete a impossibilidade de estar consigo mesmo sem validação externa. Essa condição nos coloca diante do vazio — não o vazio criativo e necessário para o pensamento, mas o vazio mercantilizado e alienante que caracteriza nosso tempo.

Conclusão: 

A Ironia da Discursividade Roubada

E assim, chegamos ao ponto central: toda tentativa de criar sentido ou valor dentro desse espaço mediático está inevitavelmente comprometida. Não é apenas o sonho que foi roubado; é a própria capacidade de sonhar algo diferente. O discurso foi transformado em produto, e qualquer esforço de resistência é absorvido pelo sistema que busca mercantilizar até mesmo nossa angústia, medo e desespero. Como diria Byung-Chul Han, navegamos na "roleta lisa da tela", onde tudo é funcional, mas nada é real.

No fim, resta apenas a ironia. A ironia de tentar construir uma narrativa significativa em um espaço onde as verdades estão muito além de nossas discursividades. A ironia de um discurso que, mesmo consciente de sua mercantilização, não consegue escapar dela. A ironia de sonhar em um espaço onde até o sonho é uma mercadoria.

Referências Bibliográficas

Bauman, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.

Han, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Vozes, 2018.

Arendt, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

DSM-5. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CID-11. Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Organização Mundial da Saúde, 2021.



#maispertodaignorancia 



Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo

Eu, um produto descartável na prateleira do mercado discursivo Introdução: A Farsa da Liberdade na Sociedade Digital Ah, que tempos maravilhosos para se viver! Nunca estivemos tão livres, tão plenos, tão donos do nosso próprio destino – pelo menos é o que os gurus da autoajuda e os coachs do Instagram querem nos fazer acreditar. Afinal, estamos todos aqui, brilhando no feed infinito, consumindo discursos pré-moldados e vendendo nossas identidades digitais como se fossem produtos de supermercado. E o melhor de tudo? A ilusão da escolha. Podemos ser quem quisermos, desde que esse "eu" seja comercializável, engajável e rentável para os algoritmos que regem essa bela distopia do século XXI. Se Freud estivesse vivo, talvez revisitasse O Mal-Estar na Civilização (1930) e reescrevesse tudo, atualizando sua teoria do recalque para algo mais... contemporâneo. Afinal, hoje não reprimimos nada – muito pelo contrário. Estamos todos em um estado de hiperexpressão, gritando par...