Avançar para o conteúdo principal

O Preço de Ser Intelectual na Era dos Influenciadores



Para Umberto Eco, o verdadeiro intelectual é definido pela capacidade de “produzir novos conhecimentos através da criatividade”, independentemente da classe social ou profissão. Eco afirma que “um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual”, enquanto um professor que repete a mesma aula, ano após ano, pode não estar sendo intelectual de verdade. A chave, segundo ele, está na criatividade crítica e na habilidade de questionar e reinventar o que fazemos.

Partindo dessa definição, reflito sobre como o papel do intelectual se posiciona em um cenário dominado por influenciadores digitais, que direcionam os discursos e moldam o senso comum. Na atualidade, os algoritmos amplificam vozes que oferecem soluções rápidas e simplistas, deixando pouco espaço para análises profundas ou críticas. É evidente que o pensamento crítico se encontra marginalizado em meio a essa hegemonia do efêmero, onde o valor de uma ideia é medido pela quantidade de curtidas e compartilhamentos, e não pela profundidade de sua argumentação.

O preço de ser um intelectual é alto. Enfrento uma realidade onde reflexões mais elaboradas são vistas com desconfiança ou ignoradas por completo. A lógica do senso comum, reforçada pela mercantilização dos discursos, cria barreiras que tornam o espaço para pensamentos disruptivos extremamente reduzido. Além disso, existe um isolamento social implícito, já que questionar padrões estabelecidos frequentemente gera desconforto e resistência.

Ao observar o domínio dos influenciadores, percebo que eles ocupam uma posição central na formação de opiniões e na construção de valores contemporâneos. Sua capacidade de moldar narrativas é um reflexo direto de como a sociedade privilegia o consumo rápido de informações em detrimento da reflexão crítica. Assim, o intelectual moderno encontra-se desafiado a buscar brechas para propor ideias e promover diálogos significativos, mesmo em um ambiente amplamente hostil à profundidade.

Como intelectual, segundo Eco, o compromisso é com a originalidade e a criatividade crítica. Ainda que isso exija enfrentar um cenário adverso, continuo a ver valor em questionar o óbvio, desestabilizar o que é confortável e propor novas perspectivas. Afinal, como Eco sugere, a régua para medir a relevância do pensamento não é a aprovação popular, mas a capacidade de desafiar e transformar.

Referências

ECO, Umberto. Sobre a literatura. São Paulo: Record, 2003.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2016.

HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.

ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.

BECKER, Ernest. A negação da morte. São Paulo: Edusp, 1997.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2010.


#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade

A Técnica, a Exclusão e o Eu: Reflexões Sobre a Alienação Digital e a Identidade na Contemporaneidade Assista o vídeo em nosso canal no YouTube Introdução A cada dia me questiono mais sobre a relação entre a tecnologia e a construção da identidade. Se antes o trabalho era um elemento fundamental na compreensão da realidade, como Freud argumentava, hoje vejo que esse vínculo está se desfazendo diante da ascensão da inteligência artificial e das redes discursivas. A materialidade da experiência é gradualmente substituída por discursos digitais, onde a identidade do sujeito se molda a partir de impulsos momentâneos amplificados por algoritmos. Bauman (1991), ao analisar a modernidade e o Holocausto, mostrou como a racionalidade técnica foi usada para organizar processos de exclusão em grande escala. Hoje, percebo que essa exclusão não ocorre mais por burocracias formais, mas pela lógica de filtragem algorítmica, que seleciona quem merece existir dentro da esfera pública digita...

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital

A Ilusão do Home Office: Uma Crítica Irônica à Utopia Digital Resumo Neste artigo, apresento uma análise crítica e irônica sobre a idealização do home office no contexto atual. Argumento que, embora o trabalho remoto seja promovido como a solução ideal para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ele esconde armadilhas significativas. Além disso, com o avanço da inteligência artificial (IA), muitas das funções desempenhadas em home office correm o risco de serem substituídas por máquinas, tornando essa modalidade de trabalho uma utopia efêmera. Este texto foi elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA, demonstrando que, embora úteis, essas tecnologias não substituem a experiência humana enraizada na materialidade do trabalho físico. Introdução Ah, o home office! Aquela maravilha moderna que nos permite trabalhar de pijama, cercados pelo conforto do lar, enquanto equilibramos uma xícara de café em uma mão e o relatório trimestral na outra. Quem poderia imaginar ...

Eu, o algoritmo que me olha no espelho

  Eu, o algoritmo que me olha no espelho Um ensaio irônico sobre desejo, ansiedade e inteligência artificial na era do desempenho Escrevo este texto com a suspeita de que você, leitor, talvez seja um algoritmo. Não por paranoia tecnofóbica, mas por constatação existencial: hoje em dia, até a leitura se tornou um dado. Se você chegou até aqui, meus parabéns: já foi computado. Aliás, não é curioso que um dos gestos mais humanos que me restam — escrever — também seja um dos mais monitorados? Talvez eu esteja escrevendo para ser indexado. Talvez eu seja um sintoma, uma falha de sistema que insiste em se perguntar: quem sou eu, senão esse desejo algorítmico de ser relevante? Não, eu não estou em crise com a tecnologia. Isso seria romântico demais. Estou em crise comigo mesmo, com esse "eu" que performa diante de um espelho que não reflete mais imagem, mas sim dados, métricas, curtidas, engajamentos. A pergunta não é se a IA vai me substituir. A pergunta é: o que fiz com meu desejo...