"Limites Resolvem Tudo, Será? Uma Resposta Irônica à Simplicidade Infantil do Discurso Contemporâneo"
"Limites Resolvem Tudo, Será? Uma Resposta Irônica à Simplicidade Infantil do Discurso Contemporâneo"
Resumo
Ah, os limites! A fórmula mágica da educação moderna, como propõe o artigo de O Globo. Ensinar limites e frustrações às crianças parece, de acordo com a reportagem, ser o caminho para resolver os dilemas da subjetividade contemporânea. Mas, será mesmo? Em um mundo onde o Eu se dissolve entre notificações digitais, onde as estruturas sociais evaporam e onde o absurdo da existência, como diria Camus, é confrontado por meio de memes e likes, falar em limites soa quase ingênuo. Este artigo – irônico, mas não menos crítico – pretende desconstruir essa narrativa simplista. Com Freud, Winnicott, Klein, Durkheim, Camus e Twenge à mesa, analisarei por que os "limites" não passam de um placebo discursivo, incapaz de curar as feridas de uma sociedade em anomia.
Introdução: Os Limites da Simplicidade
A ideia do artigo de O Globo é sedutora: basta ensinar limites às crianças e pronto, todos os problemas da formação infantil estarão resolvidos. Parece um convite para acreditar que a psique humana funciona como um quebra-cabeça de cinco peças. Mas o que esse discurso ignora – convenientemente, talvez – é que os limites não se sustentam no vazio.
Vamos falar sério: onde está o ambiente que deveria sustentar esses limites? Quem vai regulá-los, enquanto a criança está sendo criada por telas e algoritmos? Que estrutura social resta para integrar essas crianças num mundo que troca vínculos por avatares? Pois é, limites sozinhos não têm força quando as bases que deveriam sustentá-los estão dissolvidas, e isso Freud, Winnicott, Klein e companhia já sabiam há mais de um século.
1. Freud: Recalque, onde estás?
Freud foi claro: sem recalque, não há civilização. E sem civilização, o que nos resta? Um mar de impulsos descontrolados. Agora, imagine uma criança de dois anos com um tablet. A gratificação é instantânea, o recalque não tem espaço, e o Eu nunca chega a amadurecer.
Mas o artigo sugere ensinar limites – como se eles fossem uma fórmula mágica. Ensinar limites sem oferecer tensão, resistência e elaboração simbólica é como tentar cozinhar sem fogo. No ambiente digital, onde tudo é feito para evitar a frustração, o recalque freudiano não tem chance. Resultado? Um Eu que não aprende a sublimar e que cresce incapaz de lidar com as contrariedades do mundo real.
2. Winnicott: Um ambiente suficientemente ruim
Winnicott falava de um ambiente suficientemente bom: aquele que acolhe, mas que também frustra na medida certa. Agora, olhe ao redor. O ambiente físico foi substituído pelo digital, e o suficientemente bom virou o suficientemente ruim.
Pais terceirizam a atenção para telas, que oferecem estímulos vazios e gratificação constante. Esse "ambiente" não sustenta o Eu, não promove autonomia e, definitivamente, não prepara a criança para lidar com limites. Se a base está comprometida, os limites tornam-se apenas palavras ao vento, incapazes de oferecer qualquer estrutura real.
3. Klein: Esquiso-paranoia no ciberespaço
Melanie Klein estaria intrigada com a posição esquiso-paranoide do Eu contemporâneo, amplificada pelo ciberespaço. Redes sociais perpetuam a fragmentação identitária, onde o sujeito projeta suas angústias e busca validação superficial.
O problema? Esse ambiente nunca permite a transição para a posição depressiva, onde o indivíduo integra aspectos bons e maus do objeto, elaborando culpa e reparação. O que vemos é um Eu fragmentado, eternamente esquiso-paranoide, vivendo de "likes" e desconfiado de tudo e todos. Limites? No ambiente mediático, não passam de projeções discursivas sem peso real.
4. Durkheim: Uma sociedade em anomia
Durkheim, em O Suicídio, alertava sobre a anomia – o estado de desregulação social onde normas e estruturas perdem sentido. Família, religião e sociedade eram pilares que ofereciam integração e proteção contra o desamparo. Hoje, esses pilares estão em ruínas.
Família? Mediada por telas.
Religião? Cada vez mais irrelevante.
Sociedade? Liquefeita, como diria Bauman.
E o que sobra? Um estado de anomia que deixa o indivíduo isolado e vulnerável. Para Durkheim, o suicídio anômico é o reflexo desse desamparo. Limites sozinhos não podem restaurar o que foi destruído pela dissolução estrutural.
5. Camus e Twenge: O absurdo e a tecnologia
Camus via o suicídio como o confronto máximo com o absurdo. Sua resposta era a revolta: criar sentido mesmo diante de um universo indiferente. Mas como resistir ao absurdo quando o Eu está fragmentado e preso em ciclos de validação digital?
Twenge, em iGen, descreve uma geração imersa na superficialidade das redes sociais, onde o valor do indivíduo é medido por seguidores e curtidas. Essa busca incessante por validação externa amplifica o vazio existencial. Limites, nesse contexto, são irrelevantes, pois o ambiente digital destrói a autenticidade e a capacidade de ressignificar a existência.
Conclusão: Limites, para quê?
O artigo de O Globo falha ao tratar limites como uma solução isolada, ignorando os fatores estruturais que sustentam o desenvolvimento humano. Freud, Winnicott, Klein, Durkheim, Camus e Twenge nos mostram que limites não são suficientes quando o recalque é inibido, o ambiente é insustentável, a integração emocional não ocorre e as estruturas sociais estão em colapso.
Quer falar de limites? Primeiro, reconstrua as bases: ofereça um ambiente suficientemente bom, permita tensões simbólicas, restaure as estruturas sociais e, acima de tudo, repense o papel da tecnologia na formação do Eu. Até lá, o discurso dos limites continuará sendo o que é: uma solução simplista para um problema profundamente complexo.
#maispertodaignorancia
Referências
Camus, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Durkheim, Émile. O Suicídio: Estudo Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Freud, Sigmund. O Ego e o Id. Rio de Janeiro: Imago, 1923.
Klein, Melanie. Notas sobre Alguns Mecanismos Esquizoides. Rio de Janeiro: Imago, 1946.
Twenge, Jean. iGen: Por que os superconectados estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e despreparados para a vida adulta. São Paulo: HarperCollins, 2018.
Winnicott, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1965.
Conselho Federal de Psicologia. A questão do suicídio: dados e desafios. Disponível em: https://site.cfp.org.br. Acesso em: 15 dez. 2024.
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