Eu estava lendo um livro. Sim, um livro. Pode parecer raro hoje em dia, mas acontece. Era o trabalho de Jean Twenge sobre a geração iGen – esses jovens que cresceram cercados por smartphones e redes sociais, que saem de casa cada vez mais tarde e, muitas vezes, não saem nunca. Enquanto lia, comecei a pensar em algo que pode soar absurdo: e se, no futuro, a democracia não for mais o sistema vigente? Não, veja bem, eu não estou sugerindo que devemos abandoná-la, mas apenas considerando um futuro possível. Um futuro plausível, aliás, diante do que Twenge nos mostra em sua análise.
Não me entenda mal – isso não é sobre você, caro leitor. Nem é um pedido de curtidas, comentários ou compartilhamentos. Isso aqui é só uma reflexão minha, baseada no que li e pensei. Se você discordar, ótimo. Se concordar, também ótimo. A questão é que, enquanto lia, comecei a perceber que talvez estejamos plantando as sementes de algo que pode um dia substituir a democracia – não por um golpe ou revolução, mas por uma transição silenciosa. Algo tão sutil quanto deslizar o dedo na tela de um celular.
Twenge nos revela uma geração obcecada por segurança, não por liberdade. Uma geração que não quer correr riscos, mas prefere a estabilidade de uma vida protegida. Não estou julgando – quem não quer se sentir seguro? Mas essa busca por proteção cria condições para que líderes autoritários ou sistemas tecnocráticos ganhem espaço. Veja o caso de Trump, por exemplo. Quando ele surgiu como candidato pela primeira vez, muitos riram. "Nunca será eleito", diziam. Mas ele foi. Porque ele não era uma aberração – ele era um sintoma. Um reflexo de uma sociedade que busca certezas, mesmo que sejam ilusórias.
Agora, pense comigo: se a geração iGen está mais interessada em conforto do que em confronto, qual o futuro da democracia? Porque a democracia, em sua essência, é conflituosa. Ela exige participação, diálogo, confronto de ideias. Mas como fazer isso em um mundo onde o discurso foi reduzido a métricas de engajamento? Onde tudo é medido por likes, reações e compartilhamentos? Como transformar um discurso em ação se a ação nunca sai de um quarto iluminado por uma tela?
Aqui entra outra reflexão. Não é só o discurso que mudou – é a própria dúvida. Antes, a dúvida era uma ferramenta para construir algo. Hoje, ela se tornou um alívio. Uma distração para o desespero que sentimos ao encarar o vazio. Em um mundo turbinado de informações, onde há dados para qualquer pergunta, a dúvida deixou de ser genuína. Não perguntamos mais para descobrir – perguntamos para confirmar. E as respostas? Bem, essas já estão prontas, entregues por algoritmos que nos conhecem tão bem quanto nós mesmos.
E veja, a solidão também mudou. Não é mais o "eu" com ele mesmo. Agora, é uma solidão a dois: você e sua tela. Você e o algoritmo. É uma relação mediada, onde o mercado garante que você nunca esteja realmente só. Mas estar acompanhado por um algoritmo é estar acompanhado? Ou é apenas mais uma camada de isolamento, embalada por notificações e validações digitais?
No livro, Twenge menciona que os jovens saem de casa mais tarde. Não porque não querem, mas porque as condições econômicas tornaram isso inviável. A independência foi adiada. E com isso, talvez, a maturidade também. Como estar preparado para o mercado de trabalho ou para o confronto democrático se o mundo material foi substituído por um simulacro digital?
Então, aqui estamos. Um mundo onde o discurso não precisa ser verdadeiro, apenas visível. Onde a democracia não é abolida, mas diluída. Onde as decisões são feitas por algoritmos que prometem eficiência, mas sacrificam a participação. É um futuro plausível, mas não inevitável. Não estou dizendo que isso vai acontecer, apenas que estamos criando as condições para que aconteça.
No final, tudo isso não é sobre você. Nem sobre mim. É sobre uma possibilidade. Sobre um futuro que, talvez, já esteja acontecendo sem que percebamos. Não é uma defesa do fim da democracia, mas uma reflexão sobre como nossos comportamentos de hoje podem moldar o amanhã. E se você chegou até aqui, obrigado por ler. Mas, sinceramente, isso também não é sobre você."
Referências
1. TWENGE, Jean M. iGen: Por que os superconectados estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta. Editora Atria Books, 2017.
2. MARX, Karl. A Ideologia Alemã. Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Boitempo, 2007.
3. HAN, Byung-Chul. No Enxame: Perspectivas do Digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
4. ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
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